Quando o técnico deixa o time jogar como sabe - diria o presidente Lula se quisesse recorrer, ainda outra vez, às suas insopitáveis metáforas futebolísticas - o resultado é quase sempre a vitória. De fato, foi só ele deixar de impedir que a Aeronáutica fizesse o que desde a primeira hora ela sabia ser a coisa certa para combater o apagão aéreo - e a normalidade voltou a prevalecer no sistema da aviação comercial brasileira. Iniciada com a reação corporativa dos controladores de vôo, 80% dos quais sargentos da FAB, ao diagnóstico de que um erro humano no setor foi a causa do acidente de 29 de setembro que matou 154 ocupantes de um Boeing da Gol, a crise chegou ao auge com o motim de 30 de março, diante do qual a conduta do presidente foi simplesmente desastrada.
O pretexto para o levante foi a transferência de um sargento do Cindacta-1, de Brasília, para um destacamento na cidade gaúcha de Santa Maria. Os revoltosos alegaram que se tratava de uma retaliação do comando da Aeronáutica à greve dos controladores, ocorrida no ano passado. Em viagem aos Estados Unidos, Lula desautorizou o então comandante da Força, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, que pretendia enfrentar a situação como se enfrentam, em qualquer instituição militar do mundo, graves atentados à disciplina e à hierarquia. Mandou revogar a ordem de prisão dos amotinados e instruiu o então ministro do Trabalho, Luiz Marinho, a negociar com eles, como se o problema fosse de natureza sindical - um conflito entre empregadores e empregados - e não a primeira sublevação militar no País desde as que precederam o golpe de 1964.
Não bastasse isso, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, nas próprias palavras do presidente, “foi lá dizer que é preciso voltar a trabalhar, que nós estamos dispostos a negociar e o governo não vai punir ninguém, não vai punir mesmo, até porque longe de mim punir alguém”. Depois dessa licença para desacatar a autoridade, surpreende que os controladores tenham esperado dois meses e meio até voltar à carga, na espécie de operação tartaruga iniciada na última terça-feira, quando se puseram a apontar defeitos fictícios nos consoles que monitoram o tráfego aéreo, obrigando ao espacejamento das decolagens que causou atrasos superiores a uma hora em até 80% dos vôos comerciais. Agora, porém, Lula mudou de atitude, autorizando o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, a fazer o que “tivesse de ser feito para botar a casa em ordem”. O resultado foi quase imediato - embora seja prematuro dizer que se voltou definitivamente à situação anterior à tragédia de 29 de setembro. O afastamento de 14 controladores, substituídos por operadores do Núcleo de Controle de Defesa Aérea, e a ordem de prisão de dois deles criaram as condições necessárias para acabar com o inferno nos aeroportos e para adequar a gestão do tráfego comercial ao seu adensamento dos últimos anos. A nova situação, além disso, esclareceu muita coisa. A primeira delas, que precisa ser dita em alto e bom som, é que o Brasil não tem problemas de segurança de vôo.
Segundo a insuspeita Organização Internacional de Aviação Comercial, nesta matéria o País figura no topo - categoria 1. A qualidade dos equipamentos de controle está dentro dos padrões mundiais. O Brasil é um dos raros países com tecnologia própria no setor. Os controladores, ao contrário do que desejam fazer crer, não estão preocupados com a segurança de passageiros e tripulantes. O que eles querem é ganhar mais e desmilitarizar o sistema. Isso, em si, é legítimo - desde que não se violem as normas da carreira escolhida nem se torçam os fatos, “passando terrorismo para a sociedade”, como disse Lula no seu programa de rádio das segundas-feiras. Mas ele que tampouco os escamoteie, contando-os pela metade.
A julgar por sua manifestação - irretocável quando se refere aos deveres dos controladores e à importância do Inquérito Policial Militar (IPM) aberto para apurar “quem tentou fazer os passageiros sofrerem o que sofreram nesses últimos nove meses” -, o panorama se desanuviou porque ele permitiu que a Aeronáutica agisse, restabelecendo o respeito à autoridade e à ordem constituída que tem estado ausente neste país de Lula. Faltou dizer que ela não agiu antes porque ele o impediu. O que o torna o maior culpado pelo apagão aéreo.
Estadão
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