por Dora Kramer
O processo que investiga, no Conselho de Ética do Senado, a ocorrência, ou não, de quebra de decoro parlamentar por parte do presidente da Casa começa finalmente a produzir alguns efeitos e a demonstrar a utilidade da tomada de depoimentos e do aprofundamento da análise dos documentos apresentados pelo senador Calheiros em sua defesa.
A mais vistosa dessas conseqüências foi a mudança do tom da fala da tropa de defensores do senador, até poucos dias atrás tranqüilo e agora já bastante nervoso, eivado de incongruências e carente de argumentos consistentes.
Diante da impossibilidade de continuar abraçando a tese da absolvição liminar, os senadores resolveram, na sessão de ontem, quando foi tomado o depoimento do advogado de Mônica Veloso, adotar a tática da distorção explícita dos fatos.
O réu, ali, já não era o presidente do Senado, mas o advogado Pedro Calmon Filho, posto sob suspeição insinuada, e sua cliente, por diversas vezes acusada de chantagista.
A tentativa foi a de usar o peso do poder do presidente do Senado para inverter o alvo de acusações, fazendo do senador Calheiros uma vítima. Mas a emenda acabou saindo pior do que o soneto.
Os senadores não conseguiram rebater os fatos relatados na exposição inicial do advogado, sendo o mais importante deles a reafirmação da jornalista de que recebeu a pensão de sua filha em dinheiro vivo, desmentindo a versão do lobista Cláudio Gontijo sobre depósitos em conta por meio de cheques nominais.
Abriram espaço para a divulgação da informação de que a jornalista cobra judicialmente explicações do senador Calheiros a respeito das acusações de chantagem disseminadas em diversas conversas do presidente do Senado com parlamentares e jornalistas.
Deram ao advogado a oportunidade de revelar que, na petição de alimentos, o presidente do Senado declarou que seus rendimentos líquidos eram de pouco mais de R$ 9 mil, sem nenhuma referência aos ganhos relativos aos negócios agropecuários, depois invocados como “prova” de que Renan Calheiros tinha recursos para fazer frente aos R$ 12.500 pagos a Mônica Veloso durante um ano e que são objeto da denúncia original.
Os senadores tentaram se ater a aparentes irrelevâncias - para o esclarecimento do caso em si -, gastando um tempo enorme na discussão sobre a natureza do recibo dos R$ 100 mil pagos à mãe da filha do senador a título de fundo para a educação, que, segundo o advogado, foi simulado para justificar o recebimento de pensões atrasadas.
A idéia dos defensores de Renan Calheiros era mostrar o advogado Pedro Calmon como fraudador, mas acabaram tendo de ouvir do advogado uma obviedade atroz: se fraude houve, quem propôs foi o presidente do Senado que, neste caso, agora precisa explicar onde se localizam aqueles R$ 100 mil em sua declaração de Imposto de Renda.
A primeira parte da sessão de ontem do Conselho de Ética - a segunda foi dedicada ao depoimento do lobista Cláudio Gontijo - serviu para que os senadores mostrassem suas reais intenções: continuam querendo a absolvição, e não a apuração, a qualquer custo.
Mas saíram ainda menores do que entraram no depoimento. Ficou evidente que, a despeito dos desejos, têm cada dia mais trabalho para vê-los realizados. As condições objetivas para a afirmação da inocência sem levar em conta o contraditório ficaram mais reduzidas e eles dão mostras de ter sentido o golpe.
O presidente do conselho, senador Sibá Machado, abandonou o gosto pelo rito sumário e admitiu estender o prazo de conclusão do processo; o relator Epitácio Cafeteira saiu de cena; ninguém aceitou de imediato substituí-lo na tarefa, temporariamente assumida pelo presidente do conselho.
Os senadores do Democratas começaram a defender o afastamento do cargo até a conclusão das investigações; silenciaram totalmente as vozes que elogiavam com entusiasmo não só o “desprendimento” do presidente do Senado em “abrir o coração” perante a República, como também o “competente” trabalho de investigação do corregedor Romeu Tuma e o “acurado” relatório de Epitácio Cafeteira, cuja acuidade foi posta em xeque pela reportagem da TV Globo questionando a legitimidade dos documentos apresentados pelo presidente do Senado.
A partir de agora, a tropa de defesa precisa falar mais baixo se não quiser ser engolida pelos fatos que falam cada vez mais alto.
A etapa seguinte aos depoimentos é o exame dos documentos contestados. Se for bem feito, não tem como ser concluído no prazo estipulado pelo Conselho de Ética do Senado.
E não só porque cada nota, cada cheque, cada certificado precisam ser submetidos, no mínimo, a confrontação semelhante à feita pela TV Globo, mas principalmente porque boa parte da checagem depende de órgãos do Executivo alagoano, cujo chefe, o governador Teotônio Vilela Filho, deu-se ao desfrute de desembarcar em Brasília na semana passada como integrante voluntário da tropa de defesa do acusado, sob o republicano argumento de que Renan Calheiros “é um amigo”.
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