28.6.07

Contraponto de si mesmo

A cada vez que sai uma pesquisa de opinião registrando bons índices de popularidade para o presidente Luiz Inácio da Silva há, nas rodas mais bem informadas, um frisson de perplexidade seguido de uma busca frenética por explicações, como se se configurasse absurda a realidade dos números.

A justificativa mais em voga, porque ao alcance da mão, é a de que Lula é um fenômeno de comunicação. De fato, mas convém registrar que essa capacidade só se tornou fenomenal mesmo depois que Lula teve acesso aos instrumentos de poder. O mais poderoso deles, a presença garantida no centro da cena política em decorrência do cargo.

Até 2002, essa capacidade estonteante de se comunicar com as massas não conseguira evitar três derrotas consecutivas na eleição presidencial e mais um fracasso na eleição para o governo de São Paulo em 1982. Na própria campanha ao fim da qual se elegeu presidente da República, Lula não foi desde o começo o favorito.

O eleitor primeiro ensaiou encanto por Roseana Sarney, depois se aproximou de Ciro Gomes e, como queria mesmo era distância dos tucanos e percebeu que Anthony Garotinho seria um pouco demais para a paciência do freguês, resolveu ir de Lula que, uma vez eleito, ascendeu à posição de unanimidade nacional bastante ajudado por um misto de falta de senso crítico dos meios de comunicação, deslumbramento ante o simbolismo do presidente-operário e alívio pelo abandono da irracionalidade no trato de questões objetivas como a economia.

Daí em diante, a manipulação de um discurso desprovido de compromisso com a realidade, com a coerência, com os padrões aceitáveis de conduta, o uso do aparelho de Estado a serviço do culto à personalidade e da sujeição da maioria do Parlamento às conveniências do Planalto e, esta sim fenomenal, a capacidade do presidente da República de se valer de seus anos de treinamento na oposição para governar aparentando revolta contra “tudo isso que está aí” fizeram o resto.

Por essa técnica, Lula consegue se manter distante dos fatos quando lhe interessa. Cobra solução de problemas como se as soluções não fossem da responsabilidade dele.

Repudia a falta de ética, o fisiologismo, condena malfeitorias e, ainda que os antiéticos, os fisiológicos e os malfeitores sejam, na sua maioria, freqüentadores do palácio, que privem de sua confiança ou tenham com ele laços de amizade ou parentesco, Lula se mantém à distância, aí sim, com surpreendente sucesso na capacidade de convencer de que não tem nada a ver com coisa alguma.

O episódio da crise aérea é o exemplo pronto e acabado disso. O presidente da República deixou a crise se agravar porque desautorizou o comando da Aeronáutica, prestigiou a banda sindical-ideológica de seu aparato governamental - Dilma Rousseff à frente -, enquanto, para efeito externo, cobrava providências, mas não tomava nenhuma.

Quem viu de longe - e a pesquisa mostra que a maioria viu, pois não se sentiu prejudicada pela pane no transporte aéreo - interpretou o cenário como pôde: à luz (ou à sombra) das meias-verdades, das veemências simuladas e, por conseqüência, das conclusões equivocadas.

A aprovação de um presidente, nessas condições, não é de forma alguma surpreendente. Deve-se também em boa medida à oposição, que não tem proposta, não tem líder e não atua porque morre de medo da popularidade do presidente Lula. No vácuo, Lula faz todos os papéis, inclusive o de oposicionista de si mesmo.

Dora Kramer

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