28.6.07

Inflação de trapalhadas

Editorial Estadão

O Brasil já tem emprego informal, empresa informal e um presidente da República avesso a formalidades. A última novidade é a meta de inflação informal, anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), na terça-feira. A meta para 2009 foi fixada oficialmente em 4,5%, de acordo com a indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas não é para valer. “Não há uma orientação”, disse Mantega, “para que a inflação venha a convergir para 4,5%.” Se não é para “convergir”, para que escolher aquela meta como centro do alvo?

É inútil buscar alguma coerência nas palavras do ministro da Fazenda. Coerência não é seu forte e, além do mais, a decisão do CMN foi tomada pelo método confuso. Alguns dias antes da reunião, ele havia convencido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a defender a manutenção, em 2009, da meta em vigor para este e para o próximo ano. Mantega, é justo dizer, não foi o único a fazer campanha por essa decisão.

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), alguns empresários e economistas do setor industrial defenderam o mesmo ponto de vista, como se um alvo pouco mais ambicioso forçasse o Banco Central (BC) a interromper a redução dos juros ou mesmo a elevá-los. O presidente acreditou na conversa. Segundo ele, seria melhor evitar novos “sacrifícios” e dar mais atenção ao crescimento econômico de agora em diante.

Mas não tem sentido falar em sacrifícios, quando a inflação projetada para este ano está em torno de 3,5% e a do próximo está estimada em 4%. Os autores das projeções levam em conta a perspectiva de juros declinantes. Arriscado é baixar a meta quando o setor privado espera inflação em alta. Mas não há novidades importantes nem previsão de grandes mudanças no cenário dos preços, apesar de algumas pressões no mercado internacional.

Se o ambiente é tão favorável, por que fixar como objetivo, para 2009, uma inflação maior que a estimada pelos empresários e pelos técnicos do setor privado? Pelo sádico prazer de atirar no próprio pé? O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já havia defendido publicamente a escolha de 4% como centro do alvo. O presidente do BC, Henrique Meirelles, terceiro membro do conselho, não se havia manifestado, mas era fácil adivinhar sua preferência. Se o assunto se resolvesse por votação, o ministro da Fazenda seria vencido por 2 a 1. Mas, como o presidente Lula já havia definido sua posição, foi preciso escolher outro caminho.

Alguém tentou, certamente, mostrar ao ministro Mantega a insensatez de escolher os 4,5%. Não se sabe se teve êxito, mas deve ter conseguido, no mínimo, fazê-lo duvidar da própria opinião. Mesmo assim, restaria o problema político. O CMN é um órgão do Executivo e deve obediência, formalmente, ao presidente da República. O ministro Paulo Bernardo havia chamado a atenção para esse detalhe antes da reunião. Seria preciso decidir de forma consensual, segundo explicou, e não por votação. Mas qual poderia ser o consenso, depois de conhecida a opinião de Lula?

Se não fosse preciso atender o presidente, a solução teria sido muito mais simples. O CMN escolheria 4% como objetivo central, mantendo a margem de tolerância de 2 pontos para cima e para baixo. O BC, responsável pela execução da política, teria, como sempre teve, um amplo espaço para acomodar possíveis choques de preços. Todos teriam uma idéia clara do objetivo central, o governo passaria ao mercado a mensagem mais positiva - o combate à inflação continua - e não haveria sacrifícios inúteis, pois sobraria espaço de manobra.

A solução escolhida foi a mais complicada. Adotou-se a meta mais inconveniente, 4,5%, e a mensagem transmitida ao público foi a mais estranha: “Não é de se supor”, disse o ministro do Planejamento, “que o BC vá trabalhar para aumentar a inflação prevista pelo mercado e que nós achamos que está em linha com o que o BC está fazendo.” A explicação do ministro Paulo Bernardo é sensata e expõe o assunto nos termos corretos. Mas, sendo sensata, ressalta a insensatez da decisão oficializada pelo CMN.

O presidente errou de novo, desta vez duplamente. Acatou maus conselhos, ignorando os fatos, e falou publicamente sobre um assunto que não domina, impondo uma restrição política inútil a uma decisão técnica. Quanto ao ministro da Fazenda, acrescentou uma façanha ao seu saboroso anedotário.

Nenhum comentário: