'Órfãos' da invasão estão arrependidos
Filhos de sem-terra não querem mais saber de manifestação
Menores que acompanharam pais, irmãos e tios na invasão do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) à Câmara, na terça-feira, não hesitam em dizer: estão arrependidos e, por vontade própria, nunca mais participam de uma manifestação. Recolhidos numa instituição para menores em situação de risco desde a madrugada de ontem, os jovens, com idade entre 12 e 17 anos, aguardam a liberação de seus parentes para deixar o centro. Antes de ser enviados à instituição, os 29 jovens foram ouvidos por procuradores da Infância e Juventude.
O discurso do grupo é único. E pode ser resumido pela fala de W., de 15 anos: "Ninguém aqui sabia o que ia acontecer. Ninguém aqui, pelo que eu saiba, jogou pedra ou participou do conflito. Quando chegamos, a bagunça já estava formada", conta o jovem, que veio de Prata, Minas Gerais, em um ônibus alugado pelo movimento. No percurso, houve várias paradas para pegar manifestantes de outras cidades.
Muitos dos jovens imaginavam que a viagem, além de reivindicações para uma reforma agrária mais ágil e maiores benefícios para assentados, mesclaria também turismo. "Meus pais disseram que vinham para uma reunião. E me trouxeram para conhecer Brasília", contou a mais jovem do grupo, uma menina de 12 anos. Nascida em Itapiranga, Goiás, ela chegou em Brasília com os pais na segunda, a bordo de um ônibus com vários sem-terra. "Foi pena, porque vi tudo quebrado." Estudante da 7ª série, era uma das mais caladas do grupo. "Mas uma coisa eu digo: se eles me convidarem novamente para uma manifestação, não venho", disse.
O menino L. S. , de 15 anos, também jura que nunca mais participará de uma manifestação como essa. "Fiquei arrependido. Não sabia que ia ter aquela coisa toda, aquele carro virado, aquele monte de vidro quebrado", conta. "Todo mundo tinha dito que o primeiro ônibus ia lá para fazer um corredor, e a gente entraria numa boa", completa. Ele veio acompanhado do primo, maior de idade. Seu pai, com deficiência auditiva, ficou no assentamento, em Prata. O menor, que cursa a 6ª série, classifica sua vinda como um ato de retribuição e gratidão aos sem-terra. "Disseram que aqui em Brasília ia ter uma reunião para facilitar as coisas dos amigos de luta", conta. Amigos de luta, explica, são os acampados na estrada que aguardam o assentamento. "Quando minha família estava na beira da estrada, outros lutaram por nós. Agora era a minha vez."
Enquanto aguardam a vinda de um responsável para retirá-los de lá, os menores resolveram aproveitar da melhor forma as instalações, uma antiga chácara, com várias casas onde ficam distribuídas as crianças em situação de risco. O grupo todo está instalado numa casa só, separado de outros menores. Recebidos às pressas, dormiram em colchões. Tiveram as roupas lavadas, conversaram com psicólogos e assistentes sociais, assistiram juntos à televisão e jogaram bola num campo de terra vermelha e em meio ao poeirão.
Psicólogos do abrigo relatam que todos os jovens exibem um misto de ansiedade com seus pais e parentes e apreensão sobre seu futuro. Apesar das dificuldades, contam, eles mostraram grande capacidade de organização. Poucas depois de chegar ao centro, já elegeram dois líderes, que repassam para funcionários do centro as reivindicações do grupo, como a falta de um cobertor, por exemplo.
W.N., de 16 anos, disse que, agora, passado o medo, sente um pouco de vergonha pelo ocorrido. "Fico preocupado. Acho que vai ficar a idéia de que sem-terra só faz baixaria. Pior é que não é assim." Um fim triste para o que ele e os pais, que estão presos, imaginaram ser a última etapa para ocuparem uma fazenda.
Pelo que ele conta, a vinda já estava programada há quatro meses. "Há cinco dias, estávamos todos cheios de esperança. Hoje, tudo mudou."
Estadão
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