13.6.06

Farra

Dinheiro público nas campanhas de deputados

Deputados federais encontraram uma maneira de burlar a norma da Câmara que proíbe o uso da verba indenizatória com propaganda nos 180 dias anteriores às eleições. Como contam com uma cota de R$ 90 mil por semestre, os parlamentares concentraram os gastos com divulgação dos seus atos nos três primeiros meses do ano. No total, 300 políticos gastaram R$ 4,2 milhões até o dia 3 de abril. Um grupo de 62 parlamentares gastou com propaganda mais da metade da verba indenizatória prevista para três meses (R$ 45 mil), totalizando R$ 2,1 milhões. O campeão dos gastos foi Silas Câmara (PTB-AM), que torrou R$ 70 mil. Os deputados, assim, instituíram de forma enviesada e para poucos políticos, o financiamento público de campanha.

Alguns parlamentares gastaram com a divulgação da sua atividade, nos três primeiros dias de abril, quantias que deveriam cobrir todas as despesas do gabinete — como combustível, aluguel de escritório, conta de telefone — durante dois meses. É o caso de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com uma mala direta estimada em um milhão de endereços, o deputado gastou 35 mil com divulgação em abril. Todo o dinheiro foi usado para comprar papel A4 e cartucho para impressora. O conteúdo do material impresso foi a prestação de contas do parlamentar, informando projetos apresentados no Parlamento.

Dono de um patrimônio eleitoral construído com o apoio da massa evangélica no Rio de Janeiro, Cunha diz que os panfletos são distribuídos via mala direta e também em portas de igrejas. “Tenho um relacionamento muito próximo com o eleitor. Procuro manter um contato constante enviando informativos periódicos”, conta. Ele também envia as publicações junto a um cartão pela data de aniversário dos seus correspondentes.

Um grupo de 33 deputados teve gastos com propaganda acima de R$ 30 mil até 3 de abril — um total de 1,3 milhões. Onze deles são do PT. No grupo de 62 que gastou mais da metade de verba com divulgação de seus atos, 19 são do partido do governo. A despesa mensal média de um gabinete é de R$ 15 mil. Mas, dentro do semestre, o parlamentar pode gastar até R$ 90 mil num único mês. Silas Câmara, por exemplo, gastou R$ 25 mil em janeiro e mais R$ 45 mil em março. Fernando Estima (PPS-SP) consumiu R$ 50 mil em divulgação em janeiro. João Caldas (PL-AL) gastou R$ 30 mil em março. No mesmo mês, Jandira Feghali (PCdoB-RJ) gastou R$ 35 mil, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) investiu R$ 36 mil e Colombo (PT-PR) usou R$ 47,9 mil em propaganda. Cabo Júlio (PMDB-MG) também concentra boa parte da verba de gabinete em divulgação.

Só em janeiro, ele usou R$ 21,7 mil para dar publicidade às suas atividades como parlamentar. Em março, foram usados outros R$ 26 mil com o mesmo objetivo. O resultado do investimento pode ser conferido no site www.cabojulio.com.br. Com animação e música de abertura do filme Missão Impossível, o site abriga a versão online de uma publicação mensal distribuída a um público estimado de 70 mil pessoas. A última edição traz uma homenagem a colegas policiais mortos em serviço.

O jornal intitulado Cabo Júlio News é impresso em fotolito colorido com direito a tratamento de imagem. Na edição de março de 2006, a manchete do jornal foi uma manifestação em Belo Horizonte de policiais que reivindicavam o pagamento de adicional de periculosidade. “O nosso eleitor merece o melhor, temos todo o respeito por ele, e os nossos informativos são um resultado disso”, explica o chefe de gabinete do parlamentar, Marcos Mattos.

Meios desiguais
A verba indenizatória acaba proporcionando condições desiguais de propaganda entre parlamentares e quem não está no mandato. No caso dos chamados integrantes do baixo clero — aqueles parlamentares que não têm expressão no cenário político nacional — esses recursos podem decidir uma eleição. A necessidade de melhorar a performance nas urnas é a explicação de alguns deputados para o investimento pesado da verba indenizatória em material de divulgação.

É o caso, por exemplo, do deputado André Costa (PDT-RJ). Diplomata de carreira, ele disputou duas eleições para o Congresso. Perdeu em 1998 e ficou na suplência do ex-deputado Lindberg Farias (PT-RJ), que renunciou em 2004 para assumir a prefeitura de Nova Iguaçu. Com apenas metade do mandato para mostrar serviço e tentar se eleger em outubro, André decidiu investir pesadamente em publicidade. Foram R$ 54,8 mil entre janeiro e abril, o que representa mais da metade do recurso que tinha para todas as despesas de gabinete em seis meses.

A justificativa apresentada pela assessoria do parlamentar é que ele se esforça para consolidar o seu nome junto a base onde é votado. Para isso desenvolveu uma campanha de divulgação do seu trabalho que inclui outdoors, mala direta e distribuição de informativos impressos em papel cuchê.

Os jornais distribuídos na capital carioca e em regiões do leste e da baixada fluminense são personalizados. Há até quatro impressões diferenciadas. Assim, por exemplo, os moradores de Nova Iguaçu, onde o parlamentar tem uma base de eleitores, receberam publicação exclusiva informando os desdobramentos dos trabalhos de uma comissão especial de deputados formada para ajudar nas investigações da chacina ocorrida em março de 2005 em Nova Iguaçu, quando 31 pessoas foram mortas. André Costa fazia parte da comissão.

Quem gastou mais de R$ 30 mil

Deputado - Valor (em R$ mil)

Silas Câmara (PTB-AM) - 70
João Caldas (PL-AL) - 60
Colombo (PT-PR) - 58,4
André Costa (PDT-RJ) - 54,9
Betinho Rosado (PFL-RN) - 52
Fernando Estima (PPS-SP) - 50,3
Hermes Parcianello (PMDB-PR) - 49,1
Cabo Júlio (PMDB-MG) - 47,7
Carlos Santana (PT-RJ) - 43,6
Heleno Silva (PL-SE) - 40
Adão Pretto (PT-RS) - 39
Jefferson Campos (PTB-SP) - 38,3
Cezar Silvestri (PPS-PR) - 37,7
Vadinho Baião (PT-MG) - 37
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AC) - 36,9
Fátima Bezerra (PT-RN) - 36,7
Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) - 36
José Divino (PRB-RJ) - 35,8
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - 35
Jandira Feghali (PCdoB-RJ) - 35
Carlos Mota (PSB-MG) - 34,7
Guilherme Menezes (PT-BA) - 34,5
Alice Portugal (PCdoB-BA) - 34,4
Sandra Rosado (PSB-RN) - 34,2
Pompeu de Mattos (PDT-RS) - 33,1
João Batista (PP-SP) - 33
Zé Geraldo (PT-PA) - 32,9
Gerson Gabrielli (PFL-BA) - 32,1
Vitorassi (PT-PR) - 32
Pastro Pedro Ribeiro (PMDB-CE) - 32
Simplício Mário (PT-PI) - 31,3
Ancelmo (PT-RO) - 30,8
Mauro Passos (PT-SC) - 30,7

Correio Braziliense

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