HOJE O CONGRESSO Nacional recebe uma carta pública, firmada por 114 intelectuais, artistas e ativistas de movimentos negros, contra os projetos de lei de cotas raciais e do chamado Estatuto da Igualdade Racial (leia a íntegra da carta aqui). O sociólogo americano Edward Telles, que não a assina, "pescou" o texto na internet e publicou-o no boletim eletrônico da Brazilian Studies Association. Acrescentou um cabeçalho no qual "informa" que ele "circulou no Brasil com o título "Manifesto da Elite Branca'". Telles foi diretor de programas da Fundação Ford (FF) no Rio de Janeiro na década de 90. A FF inspirou o multiculturalismo e os programas de cotas raciais nos EUA, atuando em estreita conexão com os governos Johnson (1963-69) e Nixon (1969-74). McGeorge Bundy, assessor de segurança nacional de Johnson, um entusiasta da Guerra do Vietnã, deixou o governo para ser presidente da FF, cargo que ocupou de 1966 a 1979. Sob Bundy, a fundação filantrópica, cujo portfólio atual de investimentos ultrapassa US$ 10,5 bilhões, transformou-se num aparato ideológico internacional. Nos EUA, na África e na América Latina, o dinheiro da filantropia passou a irrigar movimentos e ONGs de cunho "étnico" ou "racial". Nos EUA, vultosos financiamentos da FF "convenceram" universidades a criar disciplinas voltadas para a produção de identidades raciais, com sistemas de admissão baseados em cotas. Paralelamente, milhares de bolsas de estudos foram direcionadas para a formação de intelectuais-ativistas que se engajam na difusão internacional do modelo americano de ação afirmativa. No núcleo da ideologia da FF está a noção de "minorias". As nações não seriam constituídas por cidadãos, isto é, indivíduos iguais perante a lei, mas por coletividades definidas pela raça ou etnia. Nessa ordem política reconstruída, o Estado trocaria o dever de oferecer serviços públicos universais pela obrigação de conduzir programas seletivos de "inclusão" das "minorias". Desde a queda do Muro de Berlim, uma parcela da esquerda, órfã de suas antigas certezas, mas sempre descrente na democracia, aderiu à plataforma política de Bundy. Na academia, os intelectuais citam entre aspas e indicam rigorosamente as fontes. Telles faz isso nos seus trabalhos sobre raça e discriminação. Mas, na condição de intelectual-ativista, ele não se importa em falsificar o título e o sentido de um documento público que critica a doutrina da nova Internacional. Afinal, sua "ética de resultados" tem o fim útil de elevar o volume das caixas de som para encobrir as vozes que querem dialogar.
DEMÉTRIO MAGNOLI magnoli@ajato.com.br
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