Bolsa-Família chega até onde governo não leva água
Obras federais interrompidas dificultam emancipação econômica de miseráveis no sertão
O IMPACTO dos programas assistenciais e subsidiados sobre as famílias mais pobres do Nordeste é incontestável. Ele significa, basicamente, mais comida na mesa dos miseráveis e a compra de produtos essenciais.
Mas onde o Bolsa-Família chega, faltam investimentos que poderiam emancipar economicamente os pobres. O excesso de filhos e a precariedade das chamadas condicionalidades do programa também são barreiras. Já os efeitos pró-Lula são irrefutáveis.
João Vitorino da Silva, 61, não tem em sua casa água, luz, fogão, geladeira ou trabalho fixo. Mas gerou com a mulher, Maria Lucia, 32 descendentes, sendo 11 filhos e 21 netos. De cabeça, Vitorino conta "16 votos" entre os parentes.
A maioria vive perto do Horto do Salitre (BA), região seca e miserável não muito longe das margens do rio São Francisco.
Ao lado de sua casa, e das outras próximas, há uma enorme cisterna de alvenaria construída com dinheiro público. Está vazia há 8 meses. A família tem de andar "uma légua" (6,6 km) com latas d'água na cabeça.
A alguns quilômetros dali, um gigantesco canal de concreto serpenteia o sertão. É uma obra pública federal iniciada em 1998. Também está seco.
A água tirada do São Francisco para irrigar toda a região pelo canal do Salitre não foi longe. Oito anos depois, o canal está parado por falta de investimentos, apesar de boa parte da obra civil estar pronta.
Em 2005, o governo federal destinou menos de R$ 750 mil para o canal. Segundo Carlos Everton de Farias, presidente da Codevasf, que supervisiona a região, o governo espera que uma PPP (parceria público-privada) faça a obra avançar.
Olhando o canal seco, parece inacreditável que o governo ainda divulgue a pretensão de transpor todo o São Francisco.
O Projeto Salitre deveria atender inteiramente a região do Horto, da Lagoa do Salitre e ir mais adiante. Enquanto o investimento para irrigar a terra de milhares de pequenos produtores pobres não chega, é o Bolsa-Família quem avança em toda a região.
No entorno de Juazeiro (BA), onde está o Salitre, 19 mil famílias, de um total de 25 mil elegíveis, recebem o benefício.
A maioria das famílias visitadas pela Folha na Bahia, em Pernambuco e no Piauí vive em casas caindo aos pedaços, onde todos se amontoam sobre espumas imundas na hora de dormir. Núcleos com menos de cinco filhos é coisa raríssima. Adolescentes de 14 anos grávidas ou já mães, nem tanto. O alcoolismo está em toda parte.
Se não passam fome, estão seguramente subnutridos. Feijão e farinha são o esteio da barriga. Para muitos, proteína só raramente, quando matam um passarinho ou sacrificam um porco ou cabra da criação.
Em Acauã (PI), onde o governo Lula diz ter "inaugurado" o Fome Zero, Melânia Rodrigues, 40, participa dos programas sociais desde o governo FHC. Ela tem cinco filhos. Hoje, recebe R$ 90,00 ao mês.
O marido, José, faz bicos de pedreiro. Quando há chuva e trabalho, os filhos mais velhos vão para a roça. O do meio, Isaias, 17, saiu tardiamente do Bolsa-Família em 2005 (a idade máxima para ter direito ao benefício seria 15). Ato contínuo, abandonou os estudos. "Talvez volte depois", afirma.
A principal condicionalidade para que uma mãe receba R$ 50,00 do Bolsa-Família e cada filho mais R$ 15,00 é que eles se dirijam à escola, com freqüência mínima de 85%.
O governo federal também tem outros benefícios, como os dados a quem participa de programas de capacitação profissional, como o Agente Jovem.
Resultados controversos
Nove meses depois de visitar a favela Suvaco da Cobra, na periferia de Jaboatão dos Guararapes (PE), a Folha retornou ao local na semana passada.
Em 2005, Luan, 8, filho de Micenéia dos Santos, 35, estava na 1ª série. Hoje, cursa a 2ª. Com exceção de quando escreve o próprio nome, sua caligrafia é péssima. Ele também não conseguiu ler "Fernando" em um cartão.
A poucos metros dali, Sueli Maria Dumont, 33, mãe de oito, recebe o Bolsa-Família e tem filhos no Agente Jovem. No ano passado, a mais velha, Cássia, 17, fazia um curso de cabeleireira. Terminou em dezembro. Está desempregada.
Observando o Suvaco da Cobra, é bastante óbvio: o que não falta é "salão de beleza". Outra atividade do Agente Jovem na região é curso de bordado.
Vários especialistas consultados pela Folha vêem muitos prós e contras na profusão de programas sociais. Os extremos vão do combate à fome ao risco de explosão fiscal, passando pelo assistencialismo eleitoreiro à falta de foco das chamadas condicionalidades -como o curso de bordado.
Mas, aliado ao impacto dos reajustes reais sobre o salário mínimo, o resultado positivo desses programas sobre a economia é inegável.
O comércio e a produção industrial do Nordeste são os que mais crescem hoje. A região concentra a maior parcela dos que recebem salários mínimos, benefícios previdenciários associados ao rendimento e dinheiro dos programas sociais.
"Apesar dos valores pequenos, os programas de fato amenizam a fome e, no agregado, ajudam a economia como um todo", afirma Paulo Henrique de Andrade, diretor da Associação Comercial de Juazeiro.
Do outro lado do São Francisco, em Petrolina (PE), Rostand Freire, diretor do Clube dos Diretores Lojistas, discorda. "Isso é migalha do governo atrás de votos. Irrigação que é bom, não tem um metro de cano novo investido aqui", diz.
Para Sergio Vale, economista da consultoria MB Associados, embora tragam alívio imediato aos beneficiários miseráveis, os programas sociais criariam uma renda e nível de consumo sem sustentação. "É como um fogo com luz, mas sem calor."
Na sua opinião, a contrapartida ao forte aumento da renda dos mais pobres seria "um nivelamento por baixo" do patamar médio de rendimentos.
José Márcio Camargo, economista da PUC-Rio, vai em outra direção. "Em um país com uma disparidade de renda como a nossa, isso de nivelar por baixo não existe", afirma.
Camargo lembra que o Bolsa-Família custa hoje menos de 0,5% do PIB e é, na sua opinião, um dos mais bem implementados em todo o mundo.
Em trabalho recente apresentado pelo Banco Mundial, o Bolsa-Família figurou, em termos quantitativos, como o mais amplo e focalizado programa de renda na América Latina: 73% dos benefícios chegariam efetivamente aos 20% mais pobres.
Percorrendo o sertão nordestino, não é difícil dar razão a todo mundo, críticos ou não. Principalmente no essencial:
1) no curtíssimo prazo (hoje e amanhã) haveria muito mais fome não fosse esse dinheiro; 2) o impacto eleitoral pró-Lula é fulminante e; 3) sem mais investimentos em infra-estrutura e no controle da natalidade, a sensação, forte, é de "enxugar gelo".
Folha
2 comentários:
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