25.2.06

Justiça

JUSTIÇA

O pastor Oséas de Campos, solto desde agosto, cumpria pena quando enviou, por carta, pedido de habeas corpus ao STF
Recurso contra lei de hediondos foi escrito na cadeia

DA REPORTAGEM LOCAL

DA AGÊNCIA FOLHA

O pedido de habeas corpus que pode mudar a jurisprudência sobre a progressão de regime de pena para condenados por crimes hediondos no país foi escrito a mão pelo próprio condenado, que já está em liberdade desde agosto passado, e enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) por carta, com selo usado que foi reaproveitado pelo detento.
Anteontem, o plenário do STF considerou, por seis votos contra cinco, que é inconstitucional não conceder a progressão de pena (do regime fechado para o semi-aberto, por exemplo) para os presos condenados por crimes hediondos ou equiparados, como o homicídio doloso qualificado, o estupro, o atentado violento ao pudor e o tráfico de drogas.
Os ministros votaram um pedido feito pelo pastor evangélico Oséas de Campos, 47, condenado pelo crime de atentado violento ao pudor contra crianças em Campos do Jordão (167 km de SP), em 2000. No habeas corpus, Campos apontava a inconstitucionalidade da proibição.
Outros tribunais tinham concedido o benefício para outros presos, também usando o mesmo argumento, mas a decisão do plenário do STF -mais alta corte da Justiça brasileira- criou um precedente que deve gerar mais decisões favoráveis aos pedidos de progressão de regime.
"Diziam que eu não iria conseguir nada. Hoje, essas pessoas têm de engolir que eu estava certo", afirmou Campos. "A sociedade fala do preso como se ele fosse um monstro. Mas monstro é quem criou a lei de crimes hediondos."
A votação pelo STF não mudou a situação do pastor evangélico. Ele está em liberdade desde agosto do ano passado, depois de cumprir quase cinco anos de prisão pelo crime do qual se diz inocente. Campos, que escreveu vários pedidos de habeas corpus quando ainda estava preso, conseguiu reduzir a sua pena -começou com 18 anos de prisão e baixou para oito anos.
Como trabalhava na cadeia, o pastor conseguiu diminuir sua pena e, ao completar dois terços da condenação, obteve a liberdade condicional.
"Essa decisão [do STF] não serve para mim, mas serve de incentivo para outros presos. Se uma pessoa como eu, que não é formada em direito, conseguiu reformar uma questão no Supremo, por que os juízes não conseguem fazer a parte deles?", questionou. "Eu usei palavras simples nos pedidos, mas só pedi o que estava na Constituição."
Apelidado de "HC" -habeas corpus- pelos outros presos, Campos pagava com maços de cigarro para conseguir ler livros e sentenças judiciais. Foi assim que conseguiu petições jogadas no lixo por advogados que passavam pela prisão onde estava. Conseguiu uma Constituição, também encontrada no lixo.
O Código Penal comentado ele obteve um novo, ao escrever uma carta ao autor. Os selos para as cartas eram reaproveitados. Ele disse que colocava o selo na testa e, com o suor, conseguia tirar a marca do carimbo dos Correios.
Hoje, o pastor e cantor vive do dinheiro da venda de seus CDs de música evangélica e de pregar em pequenas igrejas. "O próximo passo é provar a minha inocência", disse Campos. Ele entrou com um recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo para tentar anular a sua condenação.
A família de três das quatro crianças que teriam sido molestadas sexualmente pelo pastor evangélico criticou a decisão do STF e afirmou que Campos deveria voltar para a prisão.
"Eu tinha apagado isso (o crime) totalmente da minha memória. Achei que nunca mais iria ouvir falar sobre esse pesadelo. Ele tinha que ser bem punido pelo crime que cometeu contra os meus filhos. Ele não pode sair da cadeia antes de cumprir toda a pena, isso é uma injustiça", disse a mãe das três crianças.

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