18.2.06

Incompetência ou perfídia?

Incompetência ou perfídia?

Erraram feio os membros oposicionistas da CPI dos Correios, quando entabularam, com os governistas, um "acordo" tendo em vista impedir duas convocações para depoimentos naquela comissão: a do publicitário Duda Mendonça e a do ex-diretor de Furnas Dimas Toledo, suposto autor da "Lista de Furnas", contendo o nome de 156 políticos (especialmente do PSDB e do PFL) que teriam se beneficiado, via caixa 2, com recursos provenientes daquela estatal.

O grande erro foi o fato de a estratégia da não convocação de Toledo emprestar credibilidade - com base na desconfiança do "quem deve teme" - a um pseudodocumento, fotocópia de original inexistente, com indícios flagrantes de primária falsificação, tanto pelos erros grosseiros quanto aos nomes dos "listados" - detalhes amplamente expostos pela imprensa que a ela teve acesso - quanto pela inverossimilhança de sua própria feitura, que jamais interessaria a supostos abastecedores de caixa 2 eleitoral, que a este crime teriam acrescentado (com recibo passado) o desvio de dinheiro público. Parece evidente que o empresário Dimas Toledo, naquela estatal há cerca de 30 anos, se culpado fosse do que o acusam não teria a ingenuidade de deixar tal exuberante "rastro". É claro que os oposicionistas da CPI logo descobriram o erro cometido e desfizeram o "acordo", aceitando e reiterando com vigor a convocação de Dimas Toledo - e da mesma forma o segundo depoimento do publicitário Duda Mendonça, com todos os riscos que governo e oposição possam correr em razão de suas respectivas oitivas, inclusive pela emocionalidade do já tenso momento pré-eleitoral. Mas sempre é bom lembrar que essa "Lista de Furnas" já está "rolando" na Polícia Federal desde fins do ano passado, sem que a instituição e quem a subordina, o Ministério da Justiça, tenham esclarecido a opinião pública sobre as conclusões da perícia sobre sua autenticidade. Ou será que, desde então, ainda não houve tempo para tal averiguação técnica? A Polícia Federal não teria tido condições técnico-científicas para dizer se a tal lista é real ou "fajuta" - do tipo "Dossiê Cayman"? Assim é que tem causado a maior estranheza - para dizer o menos - a ambigüidade das declarações do diretor-geral da Policia Federal, Paulo Lacerda, sobre o assunto, ao afirmar, por exemplo, que, "mesmo sem a lista original, sua cópia pode ser submetida a perícia".

Se pode, por que não o foi? E se já foi, qual o resultado? A mesma ambigüidade tem adotado o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao apenas manifestar a expectativa de que o documento não seja verdadeiro. Quando é previsto que tal expectativa se confirme ou não, perante a opinião pública? Ou a intenção é a de que essa indefinição permaneça e adentre o período eleitoral, para que a "Lista de Furnas" possa estabelecer um contraponto, em termos de discurso acusatório governo versus oposição, com o famigerado mensalão - e aí não importando ao mínimo a comprovação ou não de sua autenticidade? Afinal de contas, se o próprio chefe de Estado e governo já afirmara perante o mundo - na França - que no Brasil "é comum" o uso de recursos ilícitos em campanhas eleitorais (que boa propaganda fez S. Exa. de nossa democracia!), tudo é possível se políticos de todos os partidos são "farinha do mesmo saco", tese sociológica que o Partido dos Trabalhadores se esforça tanto para demonstrar em seus discursos de defesa ética, de todos os dias.

Mas há um incômodo pormenor na utilização de instituições permanentes do Estado, para a defesa dessa tese política. A Polícia Federal - assim como o Ministério da Justiça - existe para defender outras coisas. Seu emprego para a sustentação político-partidária de grupos encastelados no Poder é uma das maiores aberrações éticas que pode conter um Estado Democrático de Direito. Ao não prestar esclarecimentos definitivos à sociedade brasileira, sobre acusação tão grave contida em papel apócrifo - que nem original é - envolvendo mais de uma centena e meia de políticos, grande parte dos quais têm exercido relevantes funções públicas em nosso país, a Polícia Federal não escapa à disjuntiva: ou não consegue estabelecer, tecnicamente, a autenticidade (ou não) de um pseudodocumento, ou consegue mas não o divulga, pelo fato de a ambigüidade interessar, politicamente, aos que no momento a subordinam. Então - é para a sociedade refletir e julgar - trata-se de um caso de mera incompetência ou de pura perfídia?
FSP