Funasa contraria parecer e prorroga acordo sob suspeita
Mesmo sem prestar contas de gastos, entidade que atende ianomâmis ganhou mais um ano de convênio
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa)desconsiderou seus próprios relatórios e ignorou normas técnicas de aplicação de recursos públicos para manter um convênio firmado em julho de 2004 com a Fundação Universidade de Brasília (FUB) para assistência médica a índios ianomâmi. A FUB até hoje não explicou ao certo como gasta o dinheiro que recebe. Mesmo assim, em setembro passado, o prazo para a prestação de serviços foi ampliado por mais um ano. O valor repassado à fundação duplicou: dos R$ 10,9 milhões iniciais, a FUB passou a ter direito a R$ 25 milhões.
Apesar de a prestação de contas da FUB não ter sido aprovada, a Funasa manteve em dia os repasses ao convênio, desrespeitando normas da Secretaria do Tesouro Nacional. Mais de R$ 5,4 milhões foram repassados entre setembro e dezembro de 2005. Até a primeira semana deste mês, R$ 6,7 milhões dos gastos da FUB não tinham sido aprovados pela contabilidade da Funasa.
A dificuldade na aprovação da prestação de contas não é exclusividade da FUB. Dos mais de 50 convênios na área de saúde indígena, menos de 10 foram aprovados sem ressalvas. A diferença é o tipo de irregularidade. A maioria dos convênios tem problemas mais simples e em valores mais acanhados. No caso da FUB, as irregularidades incluem pagamento de não funcionários, despesas pagas em duplicidade e documentos contraditórios. O assunto já está sendo analisado no Tribunal de Contas da União (TCU), onde foi aberto um processo para apurar suspeitas de irregularidades no contrato.
Mesmo antes do resultado do TCU, a Funasa reconhece que uma série de irregularidades foi cometida pela FUB e diz que a empresa será descredenciada, mas não agora. Só quando houver outra entidade disposta a desempenhar a função. A Funasa, porém, está pessimista. Acha difícil encontrar rapidamente um candidato. "Em vez do descredenciamento, pode ser que o contrato apenas não seja renovado", diz o coordenador-geral de Convênios da Funasa, Alcides Soares de Souza.
De acordo com a Funasa, a FUB já foi comunicada desta decisão. Há duas semanas, uma carta lhe foi enviada alertando sobre o risco de o convênio não ser renovado. A FUB também mantém contrato com a Funasa para atender índios xavantes e uma casa de saúde indígena próxima da capital.
Alexandre Lima, da FUB, afirma ter realizado um ótimo trabalho e alega que problemas na prestação de contas são corriqueiros e fáceis de ser solucionados. Como exemplo da satisfação da Funasa ele cita convite feito há menos de um mês para que a fundação apresentasse seus resultados a uma missão do Banco Mundial. Souza, o coordenador-geral da Funasa, diz que o tratamento dado à FUB é procedente. Observa que o repasse de recursos não pode ser simplesmente suspenso, sob pena de agravar mais ainda a situação de saúde dos ianomâmis. O Estado procurou, sem sucesso, o representante da FUB novamente para falar sobre o fim da renovação.
Outras entidades recebem tratamento diferente da Funasa. Muitos grupos se queixam de que a fundação suspendeu o repasse de recursos justamente por não concordar com a prestação de contas. Ano passado, vários convênios no Maranhão foram desfeitos depois de constatadas irregularidades. A própria Funasa assumiu a execução da assistência médica - com resultados negativos que produziram protestos das comunidades indígenas.
ESP
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