10.1.06

Vale a pena ler este dircurso!

Discurso do presidente das Lojas Renner, Sr. José Galló. O discurso foi lido em novembro de 2.005 durante a entrega do prêmio Top de Marketing e Vendas.
---------------------------
Senhoras e senhores.

Caros amigos.

Boa noite.

Quero cumprimentar as empresas vencedoras do Top de Maketing 2005 da ADVB e
parabenizar o empresário Jorge Gerdau Johannpeter pelo troféu Peter Drucker.
Sinto-me lisonjeado com a distinção que a ADVB me oferece – Personalidade de
Vendas do Ano.
Devo confessar que a deferência me encheu de orgulho e me fez pensar muito.
Como personalidade de vendas, o que gostaria de vender para vocês?

Diante do panorama inquietante do país – da grande falta de valores, miséria, violência e indecência na política – vislumbro uma única reação possível e urgente:
apostar nos princípios e valores que pautam nossas vidas pessoal e profissional, hoje suplantados por atitudes e práticas distorcidas.

Nós não compactuamos com essa realidade.
Precisamos e devemos mudar.
É isso que quero vender hoje aqui: Um artigo que anda escasso no cotidiano brasileiro, valores fundamentais que nos fazem falta, pois dão sustentação à verdadeira democracia.

Como vivemos em um país imenso e temos muitos “Brasis”, precisamos ter um mínimo de valores comuns – como ética, decência, veracidade, honestidade,
justiça – para estabilizar nosso presente e construir um futuro digno para todos.

Quais os valores da sociedade em que vivemos? Como se distinguem?
Parece que já não sabemos diferenciar valor de contra-valor na sociedade permissiva e passiva de hoje.
O aviltamento dos padrões éticos, a falta de legitimidade das instituições e a crescente deterioração e a falta de punição aos que legitimam os contra-valores minam e paralisam nossa capacidade de reação.
Estamos todos anestesiados.
Mas se quisermos - e queremos, com certeza - viver em um país sério e justo precisamos nos impor e restaurar nossos valores.
Liberdade, justiça, honestidade, ética, respeito, transparência, dignidade, bem estar social. São valores.
Injustiça, desonestidade, deslealdade, oportunismo, corrupção, esperteza. São contra-valores.
Quem vai ganhar esta batalha?

A crise política brasileira dos últimos meses é a maior prova de que vivemos uma carência enorme de valores.
Fatos recentes evidenciam que perdemos o bom senso e a noção de justiça e de ética.
Os escândalos, a corrupção, o mau uso de verbas e o comportamento de muitos homens públicos geram ainda mais incertezas.
Dora Kramer, articulista do jornal O Estado de São Paulo, comentou em 22 de outubro a decisão do Supremo Tribunal Federal de soltar Paulo e Flávio Maluf.
O que mais a intrigou foi a declaração do ministro Carlos Velloso que "ficou sensibilizado pelas precárias condições em que pai e filho estavam presos".
Delegacias e penitenciárias estão cheias de homens e mulheres que cumprem pena em péssimas condições. Por que o sofrimento dos Maluf comove mais?
É bom lembrar ao ministro que esse pai, Paulo Maluf, é investigado pelo desvio de um bilhão de dólares do país, ou 2,5 bilhões de reais, dinheiro público que daria para construir mais de 150 hospitais e salvar milhares de vidas.
Se cada um desses hospitais atendesse 200 pessoas por dia, 10 milhões de
pessoas seriam beneficiadas anualmente.

Em editorial de 21 de outubro, O Estado de São Paulo comentou o comportamento do presidente do Supremo Tribunal Federal durante a votação do pedido de liminar para a suspensão do processo de cassação aberto contra o deputado e ex-ministro José Dirceu, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Segundo o editorial, o presidente do Supremo conduziu os trabalhos "como se estivesse tocando uma câmara de vereadores interiorana, forçando seus membros a votar de acordo com os interesses que, por algum motivo, queria preservar".
Foi arrogante, ríspido e preconceituoso com os demais ministros, "furtando-se a quaisquer considerações de natureza jurídica".
Que estranhos valores são esses! Onde fica a justiça dos homens, o discernimento e o respeito pelo direito do outro?

A rotina de escândalos, que culminou com a descoberta do mensalão, escancarou as inúmeras negociatas entre governos, partidos, empresas públicas e privadas.
Deputados e senadores, eleitos por nós, nossos representantes no Parlamento, trocaram sua dignidade e a confiança dos eleitores pela mercantilização da sua posição política - favores, apadrinhamentos, cargos. Tudo com o fim de garantir a permanência no poder.
O que mais espanta é que não se constrangem ao assumir a compra de votos e o caixa 2.
Até declaram que poderiam ter resolvido as dívidas passadas ou fazer caixa para campanhas futuras com os fornecedores do Ministério onde atuavam, mas preferiram procurar o tesoureiro do partido.

Assim fez o ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto. Admitiu suas “malfeitorias” e deixou explícito que esse tipo de crime é recorrente, faz parte dos usos e costumes. É praticamente uma prerrogativa de um titular de pasta ministerial.
Diante da profusão de atos ilícitos, já aceitamos barbaridades como fatos banais.
Estamos mesmo anestesiados!
De onde vieram os milhões do mensalão que circularam por gabinetes, malas e cuecas país afora?
Da sonegação, do contrabando, da pirataria, do abuso de poder, da conivência, do desvio, da impunidade, do “deixa pra lá”. Da ausência de valores!

Enquanto combatemos as práticas irregulares que afrontam as leis no país, como explicar que um produto pirateado – um filme em DVD – tenha chegado ao avião do presidente da República? A naturalidade com que convivemos com a pirataria mostra nossa flexibilidade em relação ao crime.
Falta seriedade no combate ao mercado informal e aos vícios criminosos que interferem na economia.
Falta ética na concorrência, eficiência no gerenciamento das contas públicas, no controle de gastos, na administração de receitas e despesas.
Essas práticas não combinam com os avanços democráticos que conquistamos.
Democracia implica em leis funcionais, sem formalismos jurídicos nem jogo de faz de conta, sem o já conhecido “jeitinho brasileiro”.
Não podemos compactuar com a tese de que “sempre foi assim”.
Não podemos minimizar a gravidade dos fatos e das acusações.
Para onde vão os recordes da arrecadação federal? O Estado criado para gerir e servir, recolhe milhões em impostos e não devolve nada à população. Ele mesmo consome os 40% do PIB.

Não podemos mais permitir os pequenos delitos que geram os grandes delitos.
Quando não exigimos nota fiscal, nos tornamos cúmplices da ilegalidade que se instaurou no país. E se sonegamos, não podemos exigir saúde, educação, trabalho, produção, segurança, direitos básicos do cidadão.
O que resta para os milhões de jovens brasileiros que acompanham diariamente os escândalos da política pela mídia? Que valores nossos representantes no Parlamento transmitem a esses jovens ainda em formação, estudantes ou recém chegados ao mercado de trabalho? Que valores passam à população do país?

É espantosa a falta de austeridade em relação aos gastos públicos.
Levantamento do jornal O Estado de São Paulo mostrou que o governo federal já gastou mais de um bilhão de reais só com diárias de viagens de servidores públicos do Executivo.
Nos últimos dois anos, há casos de servidores que receberam até 168 mil reais.
Alguém pode me explicar o motivo de tanta viagem?
Pois esse dinheiro gasto na "farra das diárias" é cinco vezes maior do que o orçamento do Ministério da Cultura para este ano.
44 vezes maior do que o total investido no programa Primeiro Emprego.
Isso sem falar nas verbas que são desviadas e nunca chegam ao seu destino.

Perdeu-se o respeito pelo dinheiro público, arrecadado pelos inúmeros e caros impostos pagos pela população e pelas empresas, fruto do trabalho duro de milhões de brasileiros.
Não só pagamos impostos, mas ainda pagamos as despesas pelo pagamento desses impostos e não sabemos exatamente o quanto pagamos.
Há uma grande ausência de princípios na forma de governar, de gerenciar empresas e entidades e nas atitudes de muitos homens públicos que detêm o poder político e econômico nesse país.

Um governo, assim como uma empresa ou uma entidade, precisa ter valores e
projetos claros.
O que pensar quando dois senadores da República e um deputado federal ameaçam “dar uma surra” no presidente do país?
A que ponto chegamos, senhores!
Onde está o decoro parlamentar e a dignidade de quem foi eleito para defender os interesses da nação?
O que fazer quando o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil – depois de receber 326 mil reais do valerioduto e gastar 70 mil reais na compra de mesas para um show – envolve-se em outro escândalo: o uso do cartão corporativo do Banco para pagar despesas com sites pornográficos da internet? Esse mesmo diretor recebeu um envelope com mais de 300 mil reais
e disse que não conferiu o conteúdo.

Já o presidente do Banco Popular – destinado à prestar serviços bancários para pessoas de baixa renda – conseguiu gastar mais em publicidade – 24 milhões de reais – do que em empréstimos ao povo – 20 milhões de reais.
Segundo a Revista Veja de 26 de outubro, não nos falta polícia.
Temos 322 policiais por grupo de 100 mil habitantes, enquanto que os Estados Unidos tem 283.

Não nos faltam juízes. Temos 7,73 juízes para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto que o Chile tem 3,22 juízes para o mesmo número de habitantes.
O que nos falta, então?

Menos leis e mais aplicação correta, ao invés de milhares de leis que se sobrepõem e confundem a todos, propiciando o adiamento de decisões, postergações, decursos de prazo.
No Brasil, as penas prescrevem e a pessoa é declarada inocente, pois não é julgada a tempo. No Brasil, vale a lei da impunidade.
Falta eficiência nas investigações, no julgamento dos processos, no gerenciamento das políticas públicas.

A máquina pública brasileira sofre de incapacidade gerencial. Os gestores não conseguem gastar com eficiência o pouco dinheiro que sobra para investimentos.
Em três anos de governo Lula, a folha de pagamento do Legislativo cresceu 53,6%; do Judiciário, 35,5%; do Ministério Público da União, 45,2% e do Executivo, 27,8% - todos acima da inflação acumulada de 24,5% ocorrida nesses três anos.

Fala-se muito na redução de juros, mas pouco nas despesas do governo. A ministra Dilma precisa saber que também é rudimentar e indecente a maneira como o governo aumenta suas despesas, o que torna os juros ainda maiores.
Os investimentos em infra-estrutura e projetos econômicos e sociais dirigidos à população ficaram abaixo de 1% do PIB entre 2003 e 2005.
Mais um dos tantos sintomas que comprovam a ausência de VALORES.
E nós, cidadãos e empresários aqui presentes, como ficamos diante disso?
Já nos perguntamos que Brasil queremos?
Somos responsáveis e temos que sair dessa passividade com urgência.

Nós, empresários, líderes, homens e mulheres de bem, políticos corretos, trabalhadores que queremos viver em um país digno precisamos de atitude.
É hora de acordar dessa isenção preguiçosa e assumir nossas responsabilidades.
O Brasil somos nós.
É preciso superar velhos e confortáveis hábitos que nos conduzem pela mesma trilha e dizer o que ainda não se disse e precisa ser dito.
Quando deixamos de sonhar ou de ter esperança, sucumbimos tanto na vida pessoal, como profissional ou coletiva.
Cabe a nós dar um basta à corrupção e à ineficiência, práticas que só se expandem em sociedades precárias e fracas.
A utopia está tanto nos grandes movimentos sociais que a história conheceu, como nos pequenos atos de cada um de nós, que podem mudar o nosso Brasil.

Proponho uma reflexão profunda e um trabalho incessante pela recuperação dos valores que aprendemos com nossas famílias.
Vamos expor nossa revolta, nos transformarmos em verdadeiros agentes que podem redimir este país.
Não podemos deixar que os contra-valores vençam esta guerra.
O país que queremos para nossos filhos e netos não é este.
Queremos um país que gaste menos e onde todos paguem menos impostos; um país que aplique bem os recursos arrecadados; que invista em saúde, segurança, educação, geração de emprego e no bem estar da população.
Um país que não figure mais no 71o. lugar do ranking da Unesco em educação.
Um país que respeite sua gente!

Vamos levantar a bandeira dos valores que aprendemos, eliminar os contra-valores, voltar a sentir orgulho, divulgar as boas ações, as boas práticas, os valores verdadeiros e fazer do Brasil um país digno e justo, que traga futuro para todos nós.

Chega de tolerância, virtude brasileira hoje tão permissiva.
Não vamos aceitar pequenos delitos, pequenas infrações, pequenos roubos, pequenas corrupções e pequenos desvios que insuflam os grandes e são alimentados pelo tradicional “jeitinho brasileiro”, que acha solução para tudo.
Não há meio termo quando a questão é ética. Ou se é honesto ou não se é honesto.

Como cidadãos, somos agentes da mudança. E a mudança está em dizermos não
aos agentes dos contra-valores.

Confiante na minha capacidade de venda, com a certeza de que vendi o produto VALOR e encontrei eco em cada um de vocês, finalizo lembrando um artigo do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro.
“Somos a matéria prima desse país e temos muitas coisas boas, mas nos falta ainda muito para sermos os homens e mulheres que nosso Brasil precisa.
Esses defeitos, essa ESPERTEZA BRASILEIRA congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, real e ruim, tem que acabar”.
A responsabilidade é de todos nós!

Boa noite!