23.1.06

Planalto ajeita números e infla investimento

Em ano eleitoral, obras que estão no início ou nem foram iniciadas são contabilizadas como executadas

Preocupado com as eleições de outubro e em mostrar que faz grandes obras, o governo federal está inflando os números da execução orçamentária para apresentar ao eleitor um volume de investimentos maior do que o efetivamente realizado.
Uma comparação entre os relatórios do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) da União dos últimos dias mostra que, entre 31 de dezembro e 14 de janeiro, o Executivo federal contabilizou retroativamente uma execução de R$ 10 bilhões em investimentos que, em muitos casos, estão apenas no começo ou nem sequer foram iniciados.

É o caso das obras de revitalização da Bacia do Rio São Francisco. Dos R$ 621 milhões autorizados no orçamento de 2005, o governo realizou e pagou apenas R$ 135 milhões até o fim do ano. Mas a contabilidade oficial, que serve de base inclusive para o cálculo do investimento público por parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz que no ano passado o governo executou R$ 532 milhões de investimentos na polêmica obra da transposição das águas do Rio São Francisco para o semi-árido.

A mesma distorção ocorre com a contabilização dos investimentos nas estradas, operação que o governo iniciou no dia 9 e deverá alcançar 26.441 quilômetros em todo o País. Dessas estradas, perto de 5 mil quilômetros são de responsabilidade dos Estados, mas o governo federal decidiu fazer obras nelas. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, era contrária à execução das obras nas estradas cuja manutenção é de responsabilidade dos Estados, mas o presidente Lula decidiu não arrumar briga com os governadores no ano eleitoral.

Nos últimos dias de 2005, o governo autorizou a contratação de R$ 1 bilhão em obras de manutenção da malha rodoviária federal e, mesmo faltando seis meses para sua conclusão, registrou no Siafi que já estavam executadas.

A maquiagem dos números é revelada pelo valor das chamadas “liquidações”. Em tese, um investimento só é liquidado quando os técnicos dos ministérios e dos órgãos responsáveis por sua execução atestam que a obra contratada foi concluída ou que um equipamento encomendado está efetivamente entregue. Só depois disso é feito o pagamento. Esse é o procedimento de praxe. O governo federal, porém, tem agido diferente: aproveita os primeiros dias do ano novo para “liquidar” artificialmente todos os investimentos empenhados no período anterior.

No total, o relatório do Siafi de 31 de dezembro indicava que o governo federal tinha efetivamente executado R$ 6,8 bilhões em investimentos durante todo o ano de 2005. Mas, em poucos dias – no início de 2006 –, esse número se transformou em R$ 17,3 bilhões.

Entre os técnicos, essa operação é chamada de “liquidação forçada” – um procedimento que deveria se resumir a investimentos que estão praticamente concluídos e não tenham sido processados a tempo no ano que terminou.

Cada vez mais, porém, esse expediente é usado indiscriminadamente, sem nenhum critério, simplesmente igualando as liquidações aos empenhos.

“É no mínimo estranho que o governo empenhe e liquide os investimentos quase ao mesmo tempo. Nunca vi isso nessa magnitude. Parece um recurso eleitoreiro para maquiar suas realizações”, afirma o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM), um veterano integrante da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Para os leigos, essa questão pode parecer uma mera confusão de nomenclaturas técnicas, mas a forma como o governo está contabilizando os investimentos ainda não efetivados pode levar a erros de avaliação importantes, até mesmo perante organismos internacionais.

O IBGE, por exemplo, faz todos os anos o cálculo da taxa de investimento do setor público com base nos valores de “liquidação”.

Em 2005, mais do que nunca, esses números podem levar a graves distorções estatísticas na mensuração da contabilidade nacional.
Estadão

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