Em crise, esquerda nega hegemonia petista e busca alternativa em 2006
Raymundo Costa, Maria Lúcia Delgado e Cristiano Romero para Valor Online
Cristovam: "quem trouxer a inflação de volta,perde a credibilidade"
Após três anos de governo Lula, a esquerda ampliou espaços, mas o partido que liderou o processo, o PT, enfrenta a pior crise de sua história e não resolveu - e nada indica que esteja próximo de resolver - a contradição entre a utopia socialista e o neoliberalismo para a construção de um modelo econômico alternativo. "Sair desse impasse será decisivo para a reconstrução de uma esquerda democrática na América Latina", diz o ex-ministro da Educação Tarso Genro
A dúvida é se o PT poderá comandar esse processo, após ser atingido em um de seus pilares - a ética - e exercitar uma política neoliberal que Genro chama de "envergonhada". Para o deputado Chico Alencar (RJ), que migrou do PT para o P-SOL, a esquerda vive uma "diáspora" e durante um bom tempo "não terá pólo hegemônico, como foi o PT, que possa liderar um programa democrático popular para disputar as eleições".
Genro, que se propôs a "refundar" o PT, mas foi contido pela antiga maioria petista, sustenta que o governo Lula é "positivo para a esquerda, mesmo que Lula não concorra ou não se reeleja". Isso porque, argumenta, se não se concretizou "uma construção de um modelo alternativo, houve um bloqueio do desmantelamento das funções públicas do Estado". O contraponto ao neoliberalismo "envergonhado" teria sido "a distribuição de renda via Estado, o bloqueio das privatizações selvagens, a inserção internacional soberana e a retomada da unidade latino-americana", afirma.
O presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE), discorda . Para ele, o neoliberalismo no governo Lula é deliberado. Freire, cujo partido rompeu com Lula no segundo ano de mandato, não vê na experiência petista um fracasso, mas uma farsa. " Seu governo não tem nenhuma das características de esquerda, rendeu-se ao assistencialismo e a políticas compensatórias neoliberais, e não apenas na política econômica. OPT não é um fracasso. É uma fraude do ponto de vista da esquerda", disse.
Freire lamenta o fato de que a sociedade, durante muito tempo, viu no PT a própria representação da esquerda. "Desde o começo, dissemos que havia outra esquerda, mas para a sociedade a esquerda era o PT. Outras esquerdas, como o PC do B e o PSB, se transformaram quase em sub-legendas do PT. A crise do PT era a crise da esquerda", diz o deputado.
Heloisa Helena:" Não acho que a única tese possível no mundo é a neoliberal"
A exemplo de Tarso Genro, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), outro egresso do PT, chama a atenção para o fato de que a definição ideológica entre esquerda e direita não pode ser encarada da mesma forma de antes. "A diferença entre esquerda e direita é percebida entre os que querem administrar e dos que querem transformar. PT e PSDB só querem gerenciar. Ambos tratam o Brasil com a mesma concepção de futuro", assinala o senador.
O deputado Paulo Delgado (MG), um petista com visão crítica sobre seu partido, diz que o PT se recusou a modernizar-se. Só decidiu compor com as forças do centro para ganhar as eleições. Uma vez no poder, governou sem o centro. Chamou empresários para ocupar cargos, mas eles vieram por "justaposição e não integração". Deixou que representantes da antiga esquerda revolucionária influenciassem o presidente a governar não para o Brasil, mas para setores. "Fizemos um buraco no meio da aliança : há direita e esquerda no governo, mas não há centro", observa .
Na opinião de Buarque, agora, os partidos de direita vão se aliar ao PSDB, enquanto os de centro poderão migrar para uma aliança com o PT. À esquerda, teoriza, há dois tipos de atuação. O P-SOL vai propor uma transformação radical. "E eu imagino que exista espaço para uma esquerda que proponha transformação responsável", diz Buarque. Ele avalia que a "transformação responsável" está intimamente ligada à economia: "O governo que trouxer a inflação de volta perde a credibilidade", sentencia. "O equívoco é achar que essa transformação só ocorrerá com o crescimento econômico."
Pré-candidata a presidente do recém-criado Psol, a senadora Heloisa Helena (AL) recusa-se a acreditar no fim da História. "Não acho que a única tese possível no mundo é a neoliberal", afirma. O neoliberalismo, na sua avaliação, revigorou-se a partir das experiências totalitárias do Leste Europeu. "Não compartilhamos dessa idéia de que a modernidade não se coaduna com soberania, democracia, desenvolvimento econômico e inclusão social." O modelo econômico da esquerda é distinto do atual, diz a senadora. Entre seus pilares, estão o controle de capitais, o aumento dos gastos públicos e uma política de desenvolvimento.
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