2.1.06

Desvio nas estradas

O Globo

Criada para financiar a recuperação da infra-estrutura de transportes e projetos na área do meio ambiente, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cobrada sobre os combustíveis, foi usada pelo governo em 2005 para pagar despesas diversas que nada têm a ver com investimentos em estradas ou na preservação do meio ambiente. Levantamento feito no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra que a Cide bancou despesas com assinatura de TV a cabo, eventos na área cultural, serviços de segurança, planos de saúde de servidores públicos, auxílio-refeição e outros gastos de custeio e com pessoal.

Enquanto isso, o Ministério dos Transportes chegava ao fim do ano com R$ 2,4 bilhões de investimentos contingenciados. No dia 30, diante dos estragos nas estradas, o governo anunciou a liberação de R$ 440 milhões para recuperação de rodovias federais e estadualizadas, em um plano de emergência de seis meses.

O levantamento no Siafi, feito pela consultoria técnica da liderança do PSDB na Câmara, mostra que a Valec, empresa ligada ao Ministério dos Transportes e responsável pela construção da Ferrovia Norte-Sul, pagou R$ 1.375,08 à empresa Sky Brasil Serviços, uma operadora de TV a cabo. A Valec também usou os recursos da Cide para o pagamento de auxílio-refeição aos funcionários — a Ticket Serviços recebeu R$ 214,6 mil até novembro.

Já a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) usou a contribuição para pagar o plano de saúde de seus funcionários. Até novembro, a Amil havia recebido R$ 86,5 mil da agência. Outros R$ 2,1 milhões foram pagos à Capital Empresa de Serviços Gerais, especializada em atividades de limpeza de imóveis.

— Seria muito bom se os recursos arrecadados com a Cide fossem efetivamente destinados a investimentos prioritários na área de infra-estrutura de transportes — disse o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Passos.

Recursos usados em convênio com a ONU

O Ministério das Cidades usou o dinheiro da Cide para pagar R$ 1.375 à empresa Festa Fácil Produtos e Serviços, que aparece no cadastro da Receita Federal como “comércio varejista de laticínios, frios e conservas”. Outros R$ 1.217 foram parar no caixa da Cine Foto Universitário, vindos da mesma fonte. No Ibama, os recursos da Cide foram usados para pagar pessoal contratado através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Foram R$ 2 milhões para esse fim até novembro.

O Ministério do Planejamento, que elabora a proposta de Orçamento da União, indica a fonte de recursos que vai bancar cada despesa dos ministérios e órgãos setoriais. Essa é a justificativa dos órgãos para o uso da contribuição em despesas de custeio e pessoal.

A emenda constitucional que criou a contribuição determinou o uso dos recursos em programas de infra-estrutura de transportes e no financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo e gás. A equipe econômica vinha usando os recursos para engordar o superávit primário (receitas maiores que despesas, antes do pagamentos de juros da dívida), mas foi proibida pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2005, destinou então boa parte dos recursos da Cide para despesas de custeio e pessoal.

A partir desse critério, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pagou R$ 19,6 mil para a Voetur Turismo e Representações, com a compra de passagens aéreas para os funcionários, enquanto a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) usou a mesma fonte de recursos para bancar a contratação da Rioacappella Produções Artísticas por R$ 28,1 mil. A empresa é especializada em produção, organização e promoção de espetáculos artísticos e eventos culturais.

O diretor-geral da ANTT, José Alexandre Resende, explicou que em 2005, dos R$ 114,1 milhões do orçamento da agência, R$ 42,3 milhões são recursos da Cide, mas que no orçamento de 2006 essa proporção foi alterada e a contribuição será aplicada apenas em atividades “finalísticas”, ou seja, em investimentos.

— Houve uma mudança de critério e o uso da Cide ficará restrito a essas atividades — afirmou Resende.

De janeiro a novembro de 2005, a arrecadação da Cide foi de R$ 7 bilhões. No Orçamento de 2005, havia uma autorização de gastos no valor de R$ 9,5 bilhões com recursos da contribuição, mas até novembro foram empenhados (contratados) R$ 5,6 bilhões e efetivamente pagos R$ 3 bilhões, o que indica que a liberação de parte dos recursos foi usada para fazer superávit primário. No sábado, o colunista do GLOBO Ancelmo Gois publicou um cálculo da Confederação Nacional do Transporte: até 29 de dezembro, apenas 54,5% do total arrecadado com a Cide haviam sido aplicados.

No fim de novembro, o TCU divulgou o resultado de uma auditoria sobre o uso de recursos da Cide no período entre 2002 e 2004, que apurou o desvio de 41% dos R$ 22 bilhões arrecadados para outras despesas e para reforçar o superávit primário da União. O TCU proibiu o uso de recursos da contribuição em despesas administrativas. O Ministério do Planejamento informou que está se adequando às exigências do Tribunal e o Orçamento de 2006 já reflete essa mudança de comportamento.

Um comentário:

Anônimo disse...

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