17.1.06

Novo mundo???

Novo mundo
Mirian Leitão

Quem ganhou a eleição no Chile? Foi a esquerda ou a política econômica dos “Chicago Boys”? Uma ex-torturada vingando a morte do pai ou a conciliadora ministra da Defesa? O presidente venezuelano Hugo Chávez, militar ex-golpista, é de esquerda? Um descendente de índio no poder na Bolívia é um acerto com o passado colonial ou a construção do futuro? No Peru, o militarismo nacionalista dos anos 70 está voltando à moda: isso é de esquerda ou de direita?

A América Latina este ano enfrentará várias perguntas desconcertantes. Só há uma certeza: não existem respostas simples para a região. Tudo o que parece fácil, provavelmente, está ligado a velhas categorias que não servem mais para explicar e definir os tempos atuais.

Para a esquerda dos anos 70, nada mais odioso que o general Pinochet e sua direita histérica, mas foi exatamente naquele momento que a economia do Chile começou a viver as suas reformas tocadas por um grupo de jovens de uma das mais competentes escolas de economia do mundo, a de Chicago. O projeto era: diminuir o Estado, reduzir a carga tributária, abrir a economia, privatizar estatais, privatizar a previdência. Essas reformas tocadas pelos jovens de Chicago abriram espaço para o crescimento sustentado do Chile; foram seguidas pelos vizinhos e mantidas pela esquerda quando chegou ao poder. Mas, para mostrar que contradição não é uma exclusividade da esquerda, a direita do Chile nunca conseguiu privatizar a Codelco, a estatal de cobre, que continua sendo fonte de recursos parafiscais: 10% de toda a receita com exportação financiam os investimentos das Forças Armadas. Como o cobre subiu, os militares estão fazendo uma festa em termos de modernização do arsenal. Um fato estranho assim não se encaixa na cartilha liberal.

A esquerda do Chile tem trabalhado para reduzir a pobreza, mas não conseguiu diminuir a desigualdade. Na Venezuela de Hugo Chávez, nenhum dos dois objetivos tem sido atingido. Seu modelo poderia se chamar: retórica sem resultados. O Chile, com as reformas liberais, cresce há duas décadas. De 1984 para cá, só não cresceu em 99. A Venezuela completa sete anos de Chávez crescendo, em média, míseros 1,4% ao ano.

No Peru, o candidato ao qual Chávez declarou apoio, acaba de passar à frente de todos os outros. Duas pesquisas deste fim de semana registraram o avanço do candidato nacionalista de esquerda, comandante Ollanta Humala. Atrás vêm a conservadora Lourdes Flores e os ex-presidentes Alan García e Valentín Paniagua. De acordo com pesquisa do Idice, publicada sábado no jornal “La Republica”, Humala está agora com 26,3%; Flores, com 20,7%; García, com 20,3%; e Paniagua, com 11,2%. Segundo uma outra pesquisa, do Instituto Apoyo, publicada domingo no “El Comercio”, Humala tem 28%; Flores, 25%; Garcia, 15%; e Paniagua, 10%. O primeiro turno das eleições será no dia 9 de abril. Curioso o quadro no Peru, porque Alejandro Toledo se apresentava também como um descendente de indígenas chegando ao poder, mas fez uma política considerada conservadora e fracassou na redução da pobreza. O país está crescendo. No ano passado, cresceu mais de 5%; o risco deles é menor do que o nosso. Apesar disso, Toledo governou o tempo todo com baixíssima popularidade. Ollanta Humala é coronel que acaba de deixar a vida ativa e defende aquele tipo de nacionalismo que fez um certo sucesso nos anos 70. Na ditadura militar, o Peru teve um momento em que, sob o comando de Juan Velásquez Alvarado, quis adotar programas de esquerda, como nacionalização de empresas estrangeiras. Ollanta Humala diz que tem admiração por Velásquez Alvarado. Ele acaba de superar a candidata Lourdes, que admira Álvaro Uribe, da Colômbia. Se o segundo turno for entre Humala e Lourdes, a disputa será equilibrada; se for entre ele e Alan García, o ineficiente presidente que levou o país à bancarrota nos anos 80 pode se beneficiar da rejeição a Humala.

Para o Brasil, uma possível vitória de Humala traz uma complicação dependendo do que ele considera ser nacionalização: há grandes empresas brasileiras investindo lá, como AmBev, Votorantim, Vale e Petrobras. Tanto lá como na Bolívia, a proposta de nacionalização nunca foi bem explicada. Se na Bolívia o presidente eleito, Evo Morales, levar a palavra ao pé da letra, vai ferir diretamente os interesses do Brasil e da maior estatal brasileira, a Petrobras.

Tudo está muito confuso em relação aos conceitos tradicionais. No México, por exemplo, o candidato do PAN, Felipe Calderón, tem crescido nos últimos meses, enquanto o candidato do PRI cai e o do PRD, de esquerda, López Obrador, se estabiliza na dianteira. Em algumas pesquisas, chegam a estar empatados. Quem pensa que isso mostra força do presidente Vicente Fox, que é do PAN, engana-se. Calderón era ministro de Fox quando declarou que seria candidato. Foi demitido por Fox que queria outro candidato. Calderón ganhou as primárias e está fazendo uma interessante trajetória.

Não há uma onda vermelha na América Latina. O que há é cada país com sua história e sua escolha. Somos todos muito diferentes, ao contrário do que imagina quem vê os velhos clichês, que são tão simples quanto equivocados.