O presidente eleito Evo Morales, que ontem se reuniu com Lula, afirma que empresas terão de aceitar sociedade com o Estado
Petrobras diz aceitar lucro menor na Bolívia
O líder cocaleiro Evo Morales, que toma posse como presidente na Bolívia no dia 22, prometeu estabilidade jurídica aos empreendimentos da Petrobras, em conversa ontem com Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da estatal brasileira, José Sergio Gabrielli, mas anunciou que o governo boliviano exigirá que a empresa ceda sociedade em negócios no país.
Gabrielli, se referindo à nova estrutura de tributos na Bolívia, disse que a Petrobras prefere pagar mais impostos e lucrar menos do que sair do país e perder as oportunidades de negócios estratégicos -lá é produzido 50% do gás consumido no Brasil. "É melhor lucro menor do que lucro zero", afirmou o presidente da estatal.
Segundo Morales, as empresas do setor energético que quiserem ficar na Bolívia terão de aceitar a sociedade com o Estado. "O governo vai proteger a propriedade privada porque a Bolívia necessita muito de investimentos públicos e privados, mas não quer patrões, quer sócios", disse.
A menção a "patrões" foi repetida mais tarde, em entrevista, por Gabrielli. "Não queremos ser patrões dos bolivianos, mas sócios."
Com as mudanças propostas por Morales, o governo boliviano poderá ser sócio e até compartilhar a administração das duas refinarias que a Petrobras possui na Bolívia. "A estrutura societária está colocada e vamos discutir", disse Gabrielli.
Sem muitos detalhes para explicar como será, na prática, a sociedade com o governo boliviano, o executivo afirmou que ela significará "o cumprimento das responsabilidades sociais na Bolívia".
A Petrobras possui cerca de US$ 1,5 bilhão em investimentos na Bolívia, em áreas como exploração, transporte e comercialização de gás natural.
Legislação
A nova Lei de Hidrocarbonetos, que não foi contestada pela Petrobras, nacionalizou o gás da Bolívia e aumentou de 18% para 50% a carga tributária das empresas que exploram o produto. Foram as polêmicas em torno da propriedade do gás que causaram as convulsões sociais no ano passado, derrubando o então presidente, Carlos Mesa.
Segundo tem dito o vice-presidente eleito, Álvaro Garcia Linera, mentor intelectual do governo de Morales, gás, petróleo e gasolina são negócios que geram lucros de US$ 1,6 bilhão na Bolívia. De acordo com Linera, com a nova alíquota, o governo fica com US$ 550 milhões e as empresas, com US$ 1,1 bilhão. A mudança aumentou em US$ 380 milhões a arrecadação do governo.
Gabrielli insinuou ontem que, apesar de expressivo, o volume de investimentos da Petrobras na Bolívia equivale a uma parte pequena do total da empresa, mas os negócios estão alocados em um lugar estratégico. Daí a importância de não colidir com o novo governo.
"A Petrobras tem investimentos de R$ 56,4 bilhões até 2010. Foram feitos mais de R$ 350 bilhões em investimentos nos últimos anos. A Bolívia fornece metade do gás que se consome no Brasil, que é o principal mercado consumidor para o gás boliviano e, por causa da atual estrutura e distribuição, não há como direcionar esse gás para outros lugares. Portanto um precisa do outro", disse.
Por causa da instabilidade política na Bolívia no ano passado, a Petrobras chegou a suspender planos de criar um pólo gás-químico no país. Segundo Gabrielli, o que vai definir se o investimento será feito ou não será "a lógica do mercado e a disponibilidade de matéria-prima".
Conselhos
Apesar das comparações constantes com o venezuelano Hugo Chávez, Morales demonstrou preferência por Lula como "professor". "Combinamos que posso ligar para ele sempre que tiver uma dúvida", disse Morales, após almoço com o brasileiro, a quem definiu como "líder da América Latina". Segundo ele, por sua experiência de três anos no governo e seu passado militante, Lula é "uma espécie de consultor".
Morales não é o primeiro presidente de esquerda eleito na América do Sul a adotar a "escola Lula de governo". O presidente do Uruguai, Tabaré Vazquez, também já disse que se aconselha com Lula e até adotou algumas políticas sociais parecidas, além de uma política econômica considerada ortodoxa.
Morales afirmou que, assim que assumir, todo seu ministério vai entrar em contato com os colegas brasileiros para tratar de acordos comerciais e de cooperação. O assessor especial de Lula para assuntos externos, Marco Aurélio Garcia, afirmou que o Brasil vai ajudar a Bolívia a montar seu governo "enviando funcionários", mas não deu detalhes.
O vice de Morales, conhecido como mentor intelectual do futuro governo, Alvaro Garcia Linera, já declarou que o governo vai contar com indígenas, que são 62% da população do país.
Em mangas de camisa, Morales reclamou ontem das críticas que recebeu na Europa por usar um suéter -ou "chompa"- em eventos oficiais, em vez de terno. "Vai ver que as pessoas esperavam que eu chegasse lá meio careca e com penas", brincou. Por conta das críticas, ele recebeu a solidariedade do escritor português José Saramago.
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