23.1.06

O desvio do Cide

R$ 26 bi dos R$ 31,5 bi obtidos com contribuição que deveria pagar obras em infra-estrutura de transportes foram aplicados em outros fins
Governo não gasta em estrada 83% de tributo


O governo desviou R$ 26,1 bilhões arrecadados com a Cide (83% do total) entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005. Esses recursos, que deveriam ser investidos em hidrovias e rodovias, quitaram despesas diversas e aumentaram o superávit primário.
A Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é cobrada desde 2002 e incide sobre a venda de combustíveis. Por lei, todo o valor arrecadado tem de ser investido em transporte e no subsídio de combustíveis. Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, rendeu R$ 31,5 bilhões.
Nesse período, rodovias, ferrovias e hidrovias receberam R$ 5,4 bilhões. Os R$ 26,1 bilhões restantes ajudaram a formar o superávit primário e pagaram, entre outras coisas, passagens e benefícios a funcionários do Ministério dos Transportes e salários e indenizações do governo federal.
Em 2005, o Ministério dos Transportes usou R$ 2,2 bilhões de recursos que tiveram origem na Cide. Desse montante, R$ 1,78 bilhão foi destinado à infra-estrutura. O restante serviu para pagar salários, encargos sociais e até mesmo a dedetização da unidade do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) de Pernambuco, com dispensa de licitação, no valor de R$ 750.
O Ministério dos Transportes afirma que apenas seguiu o Orçamento estipulado pelo Ministério do Planejamento. Os desvios, contudo, não começaram no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acompanham a Cide desde sua criação.
Em 2002, último ano do governo FHC, R$ 1,29 bilhão da taxa foi usado para pagar indenizações e restituições em diversas partes da administração federal. Esse valor corresponde a 39% dos R$ 3,3 bilhões de despesas pagas com dinheiro da Cide naquele ano.
Ao todo, o governo gastou, em 2005, R$ 4,9 bilhões de recursos da contribuição. Em obras, incluindo as realizadas sob o comando dos ministérios dos Transportes e das Cidades, o governo usou R$ 2,3 bilhões. Foi o maior percentual (46,9%) já gasto com obras desde que a Cide foi criada. Porém, o restante continuou a pagar aposentadorias e auxílio-transporte, por exemplo.

Superávit
De tudo o que o governo arrecada por meio da Cide e de outras contribuições com destino definido, como a que financia o sistema prisional, 20% é direcionado a um fundo chamado DRU (Desvinculação de Recursos da União).
Esses recursos não precisam, necessariamente, ser investidos em infra-estrutura. Estão retidos de forma legal por uma medida aprovada pelo Congresso que tem validade até 2007 e visa não só o pagamento de despesas correntes do governo federal mas também a diminuição de sua dívida.
Mas, além dos recursos da DRU, o governo também reteve outros R$ 11,5 bilhões.
Os recursos retidos de forma ilegal podem levar a União a ser processada por dar fim diferente a uma contribuição criada com fim específico -no caso, os R$ 11,5 bilhões, em vez de financiarem obras no setor de transportes, entram nos cálculos do superávit primário, a diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada, fora a despesa com juros.
Em 2002, ficaram retidos nos ministérios R$ 4 bilhões nas contas que compõem o superávit primário. Esse valor subiu para R$ 8,5 bilhões em 2003 e foi para R$ 10,6 bilhões em 2004. No final do ano passado, chegou aos R$ 11,5 bilhões. Só com esse valor seria possível reformar cerca de 55 mil quilômetros de estradas, de acordo com estudo da Confederação Nacional dos Transportes.
Segundo o estudo, R$ 11,8 bilhões são suficientes para reconstruir trechos onde o asfalto está destruído, restaurar pavimento com buracos e fazer manutenção de estradas em bom estado.

Distribuidoras
Para o advogado José Ruben Maroni, "quem pode entrar com um mandado de segurança, o mais adequado para uma situação como essa, são as distribuidoras de combustível, que pagam o imposto diretamente ao governo e depois repassam os custos ao consumidor". Ele explica que o mandado pode se fundamentar na diferença entre contribuições e impostos.
Os impostos são gastos de acordo com as prioridades definidas pelo governo. Já as contribuições devem, obrigatoriamente, servir ao fim para o qual foram criadas. A lei que criou a Cide, de 2001, define que os recursos devem ser aplicados em infra-estrutura de transportes e subsídios a preços de combustíveis.
Todos os valores foram obtidos no site www.contasabertas.com, que tem acesso ao Siafi, sistema de acompanhamento da execução do Orçamento do governo, no dia 13 de janeiro.
FSP

Nenhum comentário: