A investigação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) que levou à operação Águas Profundas identificou indícios de que parte dos recursos obtidos em fraudes nas licitações da Petrobras foi parar no caixa de campanha de um grupo de políticos fluminenses nas últimas eleições. As suspeitas apareceram durante a análise da quebra do sigilo fiscal das empresas usadas no esquema e do sigilo telefônico dos denunciados pelo MPF. O mesmo indício teria sido encontrado no caminho dos recursos captados por ONGs que tinham convênios com o governo do Rio e que fizeram contratos com empresas fantasmas.
Segundo a PF, os envolvidos nas fraudes foram flagrados em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça Federal, detalhando como o dinheiro seria entregue aos políticos. Os candidatos beneficiados não foram revelados. A Justiça Federal também decretou a quebra do sigilo financeiro das ONGs. A análise do material está sendo feita por um grupo restrito do Núcleo de Investigações Especiais da PF do Rio.
Ontem, Ricardo Moritz, que atuava como lobista e também foi usado como laranja para a abertura de empresas, foi preso em Florianópolis.
Ele é suspeito de usar uma empresa fantasma, a RVM, para lavar dinheiro, sendo laranja do contador Ruy Castanheira de Souza, um dos operadores da quadrilha. Treze pessoas já haviam sido presas na terça-feira. Três deram entrada ontem com pedidos de habeas corpus: Ricardo Secco, Ruy Castanheira e Felipe Pereira das Neves Castanheira de Souza esperam a decisão da desembargadora Liliane Roriz.
Empresas têm sócios em comum
Pelo menos quatro das seis empresas laranjas identificadas por procuradores e investigadores da PF têm ou tiveram sócios em comum.
Um deles, Wilson Ribeiro Diniz, citado como laranja de Ruy Castanheira, aparece na composição das empresas, junto com Joaquim D"Almeida Ribeiro (que não está na lista de denunciados). Wilson tem participação na Intecdat Serviços Técnicos Ltda., ligada a Castanheira, apontado como elo entre os dois esquemas fraudulentos. A investigação identificou que Secco autorizava a transferência de recursos das ONGs para a Intecdat.
Castanheira tem outras conexões com o Estado do Rio: foi diretor financeiro do Instituto Vital Brazil até abril de 2007. Segundo o MPF, o instituto repassou recursos para as ONGs contratadas pela Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), do governo do Rio.
A prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que o contador doou R$ 50 mil ao deputado federal Carlos Santana (PTRJ) e R$ 14.360 à deputada federal Solange Pereira de Almeida (PMDBRJ).
Um dos assessores de Santana estaria envolvido no esquema de fraudes na Petrobras. O deputado afirmou ontem que conversou com os 19 funcionários de seu gabinete — 13 no Rio e seis em Brasília — e nenhum deles foi procurado pela PF ou sofreu ação de busca e apreensão.
Ele pediu informação ao Ministério da Justiça para saber quem seria o suspeito. Segundo o site do TSE, o estaleiro Mauá Jurong — que teve executivos presos na operação — doou R$ 180 mil para a campanha de quatro candidatos do PT a deputado federal. Três foram eleitos.
Segundo cálculos feitos pela PF, há suspeitas de movimentações financeiras de até R$ 7 milhões nas contas de laranjas e das empresas fantasmas administradas, teoricamente, por Castanheira. “Os recursos obtidos nas fraudes das licitações da Petrobras eram ocultados pelas empresas fantasmas, viabilizando a sonegação fiscal de tributos federais, sobretudo o Imposto de Renda”, diz, em seu relatório, o delegado Claudio Nogueira.
O procurador Carlos Alberto Aguiar vai pedir que o inquérito que corre na PF para investigar as operações feitas pelas empresas que fizeram doações ao PMDB, em 2006, seja anexado às investigações da Operação Águas Profundas. O MPF enviou esta semana ofício à Petrobras no curso de um outro procedimento administrativo, sobre convênios com repasses de R$ 31 milhões a entidades ligadas ao PT e ao MST e que fizeram campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, ressaltou que a investigação começou com a ajuda da Petrobras. Em depoimento à polícia, os acusados negaram participação no esquema.
De acordo com o procurador do MPF Carlos Alberto Aguiar, as fraudes nas licitações começaram quando alguns funcionários da estatal passaram a negociar com a Angraporto Offshore Logística a venda de informações sigilosas sobre os contratos.
As propinas eram pagas em dinheiro vivo e viagens para o exterior.
O funcionário Carlos Alberto Feitosa, segundo o procurador, teria iniciado o esquema. Aguiar disse que dois funcionários da estatal também estão sendo investigados.
O procurador explicou que o primeiro contrato com a Angraporto, para reparos da P-22, sequer poderia ter ocorrido, devido à irregularidade nas condições técnicas das instalações da empresa.
A Iesa Óleo & Gás, uma das empresas envolvidas na Operação Águas Profundas, informou ontem que a própria Petrobras, na cartaconvite enviada às empresas que participaram da licitação, já exigia que a vencedora realizasse os serviços de reparos na plataforma P-14 no estaleiro Angraporto. Na licitação para os reparos da P-14, realizada no ano passado, a Iesa ganhou a concorrência oferecendo o preço de R$ 89,9 milhões, que depois foi reduzido para R$ 88 milhões. As outras duas empresas que concorreram foram a Soares Barbosa e a Mendes Junior.
A Iesa explicou, ainda, que as obras de reparos da P-14 foram feitas na Angraporto conforme determinava o edital e, posteriormente, o contrato da Petrobras. Segundo a empresa, a plataforma na ocasião já estava ancorada na Angraporto, pois estavam sendo feitos reparos técnicos por outras companhias.
A empresa garantiu também que, nessa licitação, nenhuma outra empresa participou do projeto, muito menos a Angraporto, com a qual não tem qualquer vínculo societário.
Além da P-14, a Iesa informou que vem realizando trabalhos especializados em várias outras plataformas e instalações da Petrobras, oriundos de contratos, segundo a empresa, legitimamente firmados e precedidos de licitações abertas pela estatal, conforme critérios técnicos e jurídicos transparentes. Para concluir a nota, a Iesa, cujo gerente comercial, Laudenir Carvalho de Azevedo, foi preso, afirma que “repudia energicamente as acusações de que tem sido vítima”.
O Globo
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