Lembram-se do efeito Orloff? Pode reaparecer dentro de pouco tempo. A expressão foi muito popular até o começo dos anos 90, quando Brasil e Argentina estavam atolados na inflação e os governos tentavam soluções mágicas para os preços. Quando o governo argentino inventava um truque, em geral desastroso, já se sabia: a novidade seria imitada em Brasília, com resultados igualmente ruins. “Eu sou você amanhã” era o bordão de um anúncio da vodca Orloff. A frase era dita pela imagem de um consumidor refletida num espelho. A mensagem do fabricante era positiva: quem tomasse o seu produto ficaria livre da ressaca. Mas a história tinha o desfecho oposto no caso da política econômica: a conseqüência, para os brasileiros, era sempre ruim. As autoridades de Brasília deveriam lembrar-se dessa história ao ver a crise energética no país vizinho. Entre o apagão argentino e o brasileiro haverá uma diferença de alguns anos, mas é preciso ouvir com atenção as palavras da imagem espelhada.
Na semana passada, na reunião do Mercosul em Assunção, o presidente Néstor Kirchner pediu ajuda ao colega Luiz Inácio Lula da Silva para atenuar os efeitos da crise energética. O governo brasileiro declarou-se disposto a aumentar a exportação de eletricidade para a Argentina. O exame dos detalhes começou no dia seguinte, sábado, na embaixada brasileira em Buenos Aires.
Para exportar mais energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) poderá acionar várias centrais térmicas da Região Sul. O preço da eletricidade já tem subido na Argentina e provavelmente ficará ainda mais alto com essa importação, mas não há muita escolha, agora, porque o racionamento no país vizinho já começou.
O tempo seco, afetando a operação das hidrelétricas, apenas agravou a crise argentina. O problema não é novo e a piora da situação era previsível. Com a escassez de energia, o governo argentino transferiu parte do problema para o Chile, reduzindo severamente o fornecimento de gás para aquele país. Em abril, quando o presidente Lula esteve em Santiago e se encontrou com a presidente Michelle Bachelet, o problema energético foi um dos temas centrais das conversas. O Chile importa mais de 90% da energia consumida e depende excessivamente do gás fornecido pela Argentina. O problema tem dimensão internacional, portanto, e não há soluções alternativas: ou se dispõe da energia necessária ou se impõe o racionamento, com grande sacrifício para a atividade econômica e para o bem-estar da população.
No caso da Argentina, a escassez de energia coincidiu com uma fase de rápido crescimento da produção industrial. Mesmo com a ajuda brasileira, será muito difícil evitar uma freada econômica.
A crise era previsível não só por causa do crescimento da produção industrial, mas principalmente pela severa redução do investimento na área energética. O setor privado deixou de investir o necessário por causa do tabelamento de tarifas e das intervenções desastradas do governo. As autoridades argentinas decidiram retomar as velhas e ineficientes fórmulas de combate à inflação, tentando controlar os efeitos e não as causas dos aumentos de preços. A inflação argentina é sabidamente maior do que a indicada pelos números oficiais. Um dos efeitos da repressão é a restrição da oferta de bens e serviços. A escassez de energia é um desses efeitos.
O governo brasileiro tem sido mais cauteloso em relação à maior parte dos preços, mas tem desestimulado de várias formas o investimento na produção de eletricidade e em diversas áreas da infra-estrutura. Falhas na regulamentação setorial e uma perigosa indefinição quanto aos papéis do governo e dos capitais privados têm dificultado as decisões empresariais. Segundo cálculos da Empresa de Pesquisa Energética, o País precisará de investimentos de R$ 167,5 bilhões em geração e distribuição de eletricidade entre este ano e 2016, para sustentar um crescimento econômico de 4,2% ao ano. O investimento necessário, por enquanto, está emperrado.
Problema semelhante ocorre noutras áreas. O setor privado está pronto para executar projetos de rodovias e portos, por exemplo, mas fica preso na burocracia, na indefinição das Parcerias Público-Privadas e na lentidão do licenciamento ambiental. O efeito Orloff, desta vez, poderá ser mais amplo que no passado, pois não ficará limitado à repetição da crise energética argentina.
Editorial Estadão
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