1.7.07

A última tentação de Lula

Por Octávio Costa

“Com a popularidade inabalável, Lula será pressionado pelo PT e pelos aliados a disputar um terceiro mandato. Mas tudo indica que ele apenas dará apoio a vários candidatos, até da oposição”
COMENTE A REPORTAGEM

As pesquisas de opinião não mentem e estão aí para quem quiser ver. As crises políticas, mesmo as que atingem o governo, não desgastam a imagem do presidente Lula. O grau de aprovação ao seu desempenho permanece inabalável. Os aeroportos param, o nome de seu irmão mais velho é citado em investigações policiais, mas nada disso reduz a popularidade de Lula. Ele caiu nas graças da opinião pública. E o PT, apesar das trapalhadas, cresce à sombra da árvore frondosa do presidente. Tem a simpatia de 28% do eleitorado. Diante disso, não há como evitar a seguinte pergunta: será Lula capaz de resistir ao canto da sereia para se candidatar a um terceiro mandato? A questão, acima de tudo, é de foro íntimo.

E certamente vai tirar o sono do presidente e de dona Marisa nos próximos três anos. Por mais que Lula tenha sido forjado nas lutas pelas liberdades democráticas, não se deve descartar pela raiz a hipótese de ele concorrer à reeleição em 2010. Bastaria para isso a aprovação de uma emenda constitucional por um Congresso que é dócil às propostas do governo. A emenda, por sua vez, pode ser apresentada por qualquer parlamentar, a qualquer momento, independentemente do aval do presidente. Nas falas recentes, Lula tem jurado de mãos postas que não sonha com a nova candidatura.

Mas ao mesmo tempo diz que é cedo para falar sobre 2010. Então, quem viver verá.

Em inspirada entrevista à tevê esta semana, o escritor peruano Mario Vargas Llosa bateu pesado nas iniciativas do venezuelano Hugo Chávez para se eternizar no poder. Chamou-o de demagogo e anacrônico e disse que sentiu alívio porque Chávez fracassou em seus projetos de hegemonia continental no Peru, no México e na Colômbia. Llosa, por fim, fez uma ressalva elogiosa em relação a Lula, Michelle Bachelet, Tabaré Vázquez e Néstor Kirchner : "Eles têm origem na esquerda, dão apoio a Chávez, mas são democratas e não se deixam influenciar pelo comunismo bolivariano." A crer no tirocínio político de Llosa, que já disputou a Presidência do Peru, não haveria por que desconfiar das intenções de Lula. Ora, se ele garante que está satisfeito com os oito anos de mandato, o que leva os analistas a acreditarem que o presidente poderá se inspirar nas guinadas constitucionais de Chávez?

Um dos principais motivos, sem dúvida, é exatamente a popularidade do presidente. Poucas vezes se viu coisa igual no País. Nos devidos termos, há quem já compare Lula a Getúlio Vargas. Ambos se escoraram em políticas sociais e ambos se tornaram entes queridos das camadas mais baixas da população. Lula, porém, tem mais um trunfo a seu favor: o povo se identifica com sua origem humilde. Segundo o cientista político Ricardo Guedes, a avaliação positiva do presidente está baseada nos seguintes fatores: "a estabilidade na economia, os programas sociais do governo e o carisma pessoal de Lula". Isso faz com que ele seja mais bem avaliado do que seu governo. Ou seja, por mais estranho que pareça, o eleitor separa Lula de seus auxiliares e do PT. O presidente foi alçado a um patamar mais elevado. Getúlio Vargas era considerado o pai dos pobres. Lula é o igual que chegou à Presidência para cuidar dos pobres.

Está, portanto, com a faca e o queijo na mão. E parece disposto a respeitar as atuais regras do jogo. Por enquanto, Lula lançou, à esquerda e à direita, nomes à própria sucessão. No PT, dá corda às pretensões de Dilma Rousseff, Jaques Wagner e até mesmo de Patrus Ananias, o ministro responsável pelo Bolsa Família. Nos quadros mais à esquerda, não nega que poderá apoiar os aliados Ciro Gomes e Eduardo Campos. Nem mesmo os tucanos escapam. Nos corredores do Palácio do Planalto, não é segredo para ninguém que o governador de Minas, Aécio Neves, está sendo incentivado a se mudar para o PMDB, pois ali poderia sair como candidato da coalizão. E, na semana passada, Lula esteve em São Paulo para anunciar investimentos em saneamento, ao lado de um sorridente José Serra. Hoje, o presidente Lula está numa posição confortável e se diverte ao jogar no ar dúvida e confusão sobre 2010. Ele sabe que tem poder de fogo para fazer seu sucessor. E sabe também que pode dar tempo ao tempo. Sem seu carisma, o sucessor corre sério risco de fracassar. Nesse caso, Lula seria reconduzido à Presidência em 2014. Nos braços do povo.

Nenhum comentário: