10.7.07

O senado de joelhos

Renan Calheiros: o esgrimista do caos

"O Senado Federal tinha Rui.
Agora, degrada-se com Renan"

Um espetáculo lamentável de desmoralização é o que Renan Calheiros faz com o Senado. A cada dia, ele produz uma frase cunhada no seu comportamento patético de agarrar-se à cadeira de senador, que não lhe pertence mais, tentando manter o posto, já que perdeu nome, honra e vergonha pessoal. Custa crer que uma casa parlamentar, com outros 85 senadores, não consiga expulsar o réu hediondo que lhes impinge sua presença como que relembrando nas carnes vivas de cada um, a mancha do opróbrio coletivo. O Senado é hoje um farrapo moral. Deve isto mais a si mesmo do que ao criminoso que o preside. Renan delinqüir é a sua natureza, o Senado fraquejar, dobrar-se, capitular, é o seu atestado de óbito moral.

E Renan dá a si mesmo o prazer macabro de dançar sobre o cadáver de um Senado covarde e genuflexo, esgrimindo frases de efeito e apostando na pusilanimidade de seus pares, na sua incapacidade de derrubar o oponente que lhes esfrega no nariz a sua valentia de assaltante à mão armada, esgrimindo com maestria, paciência e deboche, o caos deste Parlamento, este pobre e ocioso parlamento, que fala em parlamentarismo pela boca degradada de Collor, ex-chefe de Renan. E nos exibe uma amostra do que seria a nação comandada por primeiros Mi-nistros como Renan, Roriz, Jader Barbalho, Maluf, Quintanilha e tantos outros meliantes que mancham as cadeiras que ocupam. Que ofendem a Nação só por estarem vivos.

Como deputado federal, de 79 a 83 e de 91 a 95, eu pude ver a presença notável e universal de Paulo Brosssard e de Teotônio Vilela, que eram gigantes na tribuna não só por serem oradores excepcionais, mas porque a chama que os fazia vibrar a cada palavra pronunciada, era esta chama cuja combustão alimenta aqueles que são tocados pelo dom de dizer e dizer muito bem, mas com a chama acesa de sua honra, de seu valor como homens, antes de seu valor intelectual. Eles tinham na voz a força indomá-vel da dignidade. Tinham caráter.

Em um artigo que escreveu para um livro meu, Teotônio me nomeia Cavaleiro do Santo Graal, de fé absoluta, e diz que a chama que incendiava a mim era a mesma que me salvava do incêndio: a crença em meus valores. Nas minhas convicções. Pois era exatamente este incêndio de rebeldia contra a ditadura, pela anistia e pelas eleições diretas, depois de 20 anos de regime militar feroz, insano e assassino, em que os dois, Brossard e Teotônio, com a palavra li-bertária, comovente, mas sobretudo honrada, esgrimiam contra a escuridão do totalitarismo e da selvageria ditatorial.

Hoje, este Senado, este Congresso, assim como estão, ponto de encontro de punguistas da honra do povo brasileiro, rescaldo do que há de pior na sociedade, repleto de malandros criminosos e de criminosos malandros, dá uma dor danada de recordar os grandes tribunos, as grandes causas, as vozes respeitadas, que, de um lado ou de outro, esparziam a luz de seu talento e de sua cultura para um país que, talvez, lhes tenha dado valor de menos, e agora, também talvez, é que saiba , com estes homúnculos de Brasília, a falta que faz o homem iluminado de grandeza e sabedoria.Que não eram cínicos como Renan, mas que cultivavam esta arte em desuso no Congresso, de ter vergonha na cara. Pudor. Decência. Respeito a si mesmo e aos outros.

Ulisses Guimarães, quando foi atacado por Collor, porque comandou o impecheament, e atacado porque era muito mais velho que o trêfego presidente da era PC Farias, respondeu, altivo: "Sou velho, mas não sou velhaco". E seus cabelos brancos a lhe ornar a cabeça lúcida e corajosa, salvaram o país de um psicopata.

Que ameaça voltar neste país de Esta lucidez e esta capacidade de comando, fazem falta agora, quando um ve-lhaco aboleta-se na cadeira de Presidente do Senado, com os bolsos cheios de di-nheiro de origem criminosa, e outros tantos velhacos fazem ciranda em torno dele, a apelar para seu sentimento cristão para tira-los do beco sem saída em que se mete-ram , cuja única que haveria, a bravura, parece que desertou do caráter da quase unanimidade dos senadores. Ulisses dizia que "a co-ragem é a virtude principal de um político, porque sem a coragem, as outras virtudes não tem sentido nem razão".

Assim, antes de bandeiras partidárias, de propostas econômico-sociais, de discutir reforma política e tri-butária, o Senado tem que correr em busca da coragem perdida, uma tragédia proustiana, e nela investidos, lembrarem-se que formam a esmagadora maioria e expulsar o vendilhão, o apóstata, que, como um capitão ensadecido e leviano, quer que o navio inteiro afunde com ele. Sem dar nenhum valor ao Brasil e à crise que tem seu nome. Renan só pensa em si, só olha para si, só enxerga o umbigo dos seus interesses sórdidos e inconfessáveis. É um espetáculo de apego ao poder, humilhante, covarde e desprezível. Não sei quem é pior, se Renan ou se os senadores que o apóiam. Não sei qual deles o mais sórdido.

Uma nação que tem um Parlamento assim, que se comporta assim, que se apequena assim, que se auto flagela assim, que se destrói assim, não tem condições de ser adulta como sociedade. Há que fazer a assepsia da classe política, que é a classe dirigente, para renovarmos nossa fé no destino. O Brasil é este estranho colosso de infinitos contrastes e delírios coletivos que nos embargam o caminho.

Um país do tamanho de um continente, com paisagens de uma beleza incomparável, de riquezas naturais e cultivadas que o mundo reconhece, de uma gente, no geral, de boa índole, amante de uma prosa amiga, de um ca-rinho, de um gesto de amizade. Mas que esbarra no erro reiterado de escolher mal seus dirigentes. Lula traiu sua palavra, Lula corrompe os eleitores com o bolsa família, Lula alinha-se com Bush e os USA, Lula é fanfarrão e ignorante, mas é esperto, um descuidista da história republicana, e por ser assim ladino, assim um tanto cínico e irresponsável e apóstata também, tem uma avaliação positiva do povo brasileiro. Não importa a taxa de desemprego, não importa a corrupção que corrói o seu entorno, para ele os parentes são "ladrões piabas", e, na sua ótica, só se deve considerar ladrão, o tubarão, o que rouba por atacado. Lula é a cara de um país incongruente e que se deixa dominar pelas aparências e pela empatia e pelo carisma aliciante e tantas vezes falso.

Agora, Renan sangra e faz sangrar o Senado. Desmora-liza a instituição e o voto, corrompe a democracia e estiola a esperança de um povo.
O Senado não conseguiu um homem para relatar seu processo. Nomeou três para tentarem dos três, fazer um. Na ditadura militar, quando o ditador Costa e Silva adoeceu, assumiu o poder uma Junta Militar, que, pelas bobagens que dizia, ficou conhecida como "Os três patetas". Espero que esta nova Junta do Senado não emporcalhe mais o processo, não faça chorar e nem rir de raiva.

O Brasil está cansado e desiludido.

Não permitam os brasileiros que os Renans podres de suas entranhas, matem em nós todos o dom da esperança, esta deliciosa aventura de sonhar, do sonho no que virá e que será melhor, na construção de um país generoso, forte e próspero. Não permitam que cassem a nossa esperança. A crença no porvenir. Mas que saibamos encarar os desafios para que mereçamos um futuro melhor. Não merece a liberdade quem não luta por ela a cada dia, forjando instituições firmes e sólidas. Sonhar e agir. Sonhar e ir à luta. Sonhar com doçura e fazer com determinação.

Não sei como responder à altura os e mails de tantos brasileiros, de todas as partes do Brasil, que me cumprimentam pelo que escrevo. Acho que esta generosidade de tantos e tanta generosidade, são o melhor pagamento para mim, um homem que aceita o Mistério da vida e quer crer uma crença que nunca tenha fim. Uma crença de um brasileiro que não desiste, que tem esta estranha mania de gostar do Brasil, de sua gente e de seus filhos. Apaixonadamente, até o fim. E que seja, se possível e Deus der bom tempo, um final hol-lyudianamente feliz. Por que não? Dizem os espíritas que o Brasil é o celeiro do mundo. Desde que não roubem o celeiro e nos deixem, somen-te, a frase. Apenas um retrato a doer na parede, como um futuro que se perdeu.

MENDONÇA NETO - Jornal Extra Alagoas

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