1.7.07

O tempo passa

Há tempo a perder? Essa deveria ser a pergunta central do debate que norteia o crescimento econômico emperrado do país, enquanto se avolumam problemas desnecessários, como o excesso de dinheiro de curto prazo estacionado no mercado financeiro e de ações — reflexo dos juros altos e falta de projetos empresariais —, e a morosidade das obras de infra-estrutura pública, tipo estradas e energia.

Sem projetos o país não sai do atoleiro e corre ainda o risco de confundir o uso mais intenso do estoque de capital e trabalho que já está aí com o crescimento econômico sustentado, que se define pelo aumento da oferta em ritmo maior que o da demanda de modo a gerar, inclusive, excedente para exportar. Alemanha, China, Japão não se servem de juros altos e de retenção de depósitos bancários para frear o consumo interno e ter bens industriais para exportar. Exportam o que excede a capacidade de o mercado interno absorver.

Mas aqui é assim que se faz e sempre se fez, criando o transtorno bipolar que acomete a economia em períodos de recuperação cíclica: aumentam as importações e diminuem as exportações. E isso porque não há capacidade produtiva de bens e insumos capazes de atender a um só tempo tanto a demanda doméstica ao nível de pleno emprego como os pagamentos externos até pelo menos o equilíbrio da conta de transações correntes (que consolida a balança comercial com a de serviços e rendas, como viagens, juros e remessa de lucros).

A tal desequilíbrio se chegou pela falta de investimento contínuo na produção. O público foi minguando pelo desvio de receita fiscal para gasto corrente, sobretudo salário do funcionalismo, o custeio do Estado, excesso de unidades federativas e seus penduricalhos e aposentadorias. O privado, pelo aumento do custo do investimento devido ao crescimento dos impostos e juros — ambos decorrentes da imprevidência fiscal dos governos —, ao que se acresce a incerteza da demanda futura, imponderável na ausência de cenário estável.

O governo se sente muito confortável com o quadro econômico e, de fato, como diz o economista Fernando Montero, “do ponto de vista estritamente fiscal o país entrou em processo virtuoso”. O desafio é saltar deste estágio para o crescimento econômico movido a novos investimentos. O risco, diz Montero, é o governo dar por ganha tal aposta e gastar por conta enquanto patinam os planos de expansão.

Saneamento em crise
Pegue-se o caso do saneamento, carência aguda em todo país e por isso eleito como investimento prioritário no PAC. Dinheiro há, mas faltam projetos. Pior: com a municipalização do serviço, nem há na maioria das cidades estrutura para executá-los. Em muitos estados, além disso, a empresa estatal de saneamento está podre. A Cedae do Rio, por exemplo, pediu apoio gerencial ao BNDES, que atendeu e na prática esgotou por ora a sua capacidade de atendimento na área.

Muito disso explica por que já estamos no segundo semestre e o grosso dos investimentos do PAC continua parado no Tesouro. E em 12 meses até maio esteja em 4,29% do PIB, e não na meta de 3,8%, o superávit primário para custear a divida pública.

Falta de projetos e gente com experiência para tocá-los não são problemas que se resolvam da noite para o dia. Seria o caso de o governo repassar mais responsabilidade para o setor privado, mas também aí se vai a ritmo de cágado. Existe um projeto de reforma das agências regulatórias, que foram criadas para dar proteção ao capital aplicado em concessões e setores privatizados, mas não avança no Congresso porque o governo tem duvidas se deve dar ou não autonomia a tais entidades. Se for para não dar, que as feche e devolva suas atribuições aos ministérios. Simples, assim.

O ajuste inacabado
Com a receita tributária ocorre o mesmo: devido à recuperação da atividade econômica, a arrecadação bate recorde, já que o sistema foi montado a extrair o máximo em situação de baixo crescimento. Ou há agilidade para destinar o excedente fiscal para projetos de infra-estrutura ou que ele seja devolvido sob a forma de redução da carga tributária, requisito para o longo ajuste econômico que vem desde o Plano Real em 1994 ser dado como concluído. O governo confia muito nos financiamentos do BNDES para acelerar os planos empresariais. Mas não basta. O gasto orçamentário tem de ser mais transparente e produtivo. A rigor, fez-se pouco para tanto.

O crescimento econômico não é uma solução infalível para todos os problemas da economia, mas facilitam o encaminhamento. Não pode é a economia bombar pelo crédito ao consumo, e já se fala até sete anos de prazo para a compra de carro, e pelo aumento dos repasses diretos a pessoas com recursos orçamentários. O investimento está em alta, mas preocupa que a previsão de expansão da indústria seja de apenas 4,4% este ano. Como diz o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, sua participação no PIB é baixa, mas é ela que vitamina o dinamismo da economia e movimenta o comércio e serviços.

Também assusta o empoçamento do hot money (dinheiro de curtíssimo prazo) aplicado em papéis. O acumulado até abril bateu em US$ 24,2 bilhões, 399% mais que em igual período de 2006 e 24% mais que no ano inteiro. Os capitais de curto prazo sozinhos trouxeram mais dólares para o país que o superávit da balança comercial somado ao fluxo de investimentos diretos líquidos no mesmo período. Além de ocioso, é um capital que deprime o dólar e as exportações. E aí: cruzamos os braços?

Antônio Machado - JB

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