Augusto de Franco (28/06/07)
Leiam a reportagem de Paulo Paranaguá, enviado especial a Caracas, no Le Monde de hoje, intitulada "Os bons negócios da família Chávez". Não, o Brasil não é a Venezuela. E qualquer semelhança é mera coincidência.
Os bons negócios da família Chávez
Paulo A. Paranaguá, Le Monde (28/06/07)
Esquema de corrupção permite lucro a curto prazo a banqueiros, comerciantes, funcionários e militares situados em postos-chaves
O padre José Palmar tem a impressão de estar pregando no meio do deserto. Um admirador incondicional do presidente venezuelano, o tenente-coronel Hugo Chávez, ele não entende por que as suas preces não são atendidas. Seja quando ele se manifesta do alto da sua cátedra, no microfone ou nas páginas de um jornalzinho diário, o "Reporte", ele vem denunciando incansavelmente um pecado capital: a corrupção.
De tanto tentar sensibilizar uma audiência sem sucesso, o padre Palmar já está perdendo a paciência: "Presidente Chávez, eu o desafio a afirmar em discurso a ser transmitido por todos os canais de televisão que as denúncias que têm sido apresentadas contra o seu governo, já faz mais de um ano na imprensa, e que foram entregues ao ministério público não passam de uma mentira", escreve ele. E ele ainda admoesta o presidente Chávez: "O senhor está cercado por ladrões", fulmina. "O senhor está ouvindo? Por ladrões!"
Este padre católico e "chavista" digeriu muito mal as recentes nomeações para a diretoria da empresa pública Petróleos de Venezuela (PDVSA), embora ele não se canse de apontar com o seu dedo acusador para a corrupção que grassa na indústria petroleira. No final de maio, um primo do chefe do Estado, Asdrúbal Chávez, foi promovido a vice-presidente da PDVSA. Desde que o seu primo Hugo está no comando supremo da Venezuela, Asdrúbal Chávez se dedica, na PDVSA, às questões de comercialização e de abastecimento, e também cuida, na filial desta estatal, a PDV Marina, da frota petroleira.
Na Venezuela, a comercialização, a exportação e o transporte do petróleo são atividades que propiciam negócios muito lucrativos, isso graças aos intermediários e às manipulações financeiras favorecidas por um dólar negociado no câmbio negro pelo dobro da sua cotação oficial. Foi neste setor que Wilmer Ruperti, que era um capitão da navegação comercial há vinte anos apenas e que se tornou o principal transportador naval da Venezuela, acumulou uma fortuna colossal.
"Boli-burguesia"
No final de 2002, ele conseguiu acabar com a greve da PDV Marina e da PDVSA oferecendo os seus cargueiros, o que lhe valeu uma medalha e o reconhecimento do presidente Chávez, que, desde então, sempre se empenhou em incentivar os seus projetos. Para demonstrar o seu apreço pela "revolução bolivariana" implantada por Hugo Chávez, Wilmer Ruperti pagou a quantia de US$ 1,6 milhão (R$ 3,1 milhões) por um par de pistolas que haviam pertencido a Simon Bolívar, por ocasião de um leilão na casa Christie's, de modo que essas armas retornassem para a Venezuela.
Uma figura emblemática da nova burguesia emergente, a "boli-burguesia", Ruperti não foi o único a ter enriquecido graças à renda petroleira. Desde que Hugo Chávez está no poder (1999), o preço do barril foi multiplicado por seis. Além da indústria petroleira, nenhum setor andou acumulando tantos lucros quanto o dos bancos. A Bolsa de Caracas vem batendo recordes e os bancos vêm registrando um crescimento de 43%, ao passo que as fábricas não conseguem obter um crescimento acima do teto de 10%, segundo dados do ministério das finanças.
"O controle do câmbio e a venda discricionária de divisas, no momento em que o dólar vale o dobro da cotação oficial no mercado paralelo, mais uma inflação de 20% e uma administração pública caótica, propiciam o predomínio de um esquema de corrupção que permite obter lucros em curto prazo, que está ao alcance dos banqueiros, dos comerciantes, dos altos-funcionários e dos militares situados nos postos-chaves", sublinha Orlando Ochoa, um economista da Universidade católica.
Nos setores financeiros e de negócios da City venezuelana, os escândalos dos anos 1990 que atingiram o banco Progreso e o banco Latino parecem ter sido esquecidos pelos homens de negócios. Em 2002, o desmoronamento do Banco Industrial da Venezuela e as irregularidades cometidas pelo Banco do Povo Soberano em nada diminuíram a euforia provocada pelos aumentos acelerados dos preços do petróleo e pelas benesses do Estado.
Com isso, os bônus da dívida argentina, comprados pelo governo Chávez em nome da solidariedade "bolivariana", foram imediatamente repassados para o controle de bancos privados, que tiraram deles no mercado internacional um lucro excepcional num espaço de tempo recorde.
Diversos banqueiros tradicionais, como Victor Vargas Irausquin (Banco Ocidental de Desconto) e Victor Augusto Gill Ramirez (Banco Fundo Comum), obtiveram rapidamente os seus lucros e o seu acesso nas altas esferas do poder; este também foi o caso de empresários recém-chegados tais como Danilo Diaz Granados e o tenente Arne Chacón, um irmão de Jesse Chacón, um amigo próximo de Hugo Chávez desde o tempo em que eles tramavam juntos complôs no exército, e um antigo ministro do Interior que trocou esta pasta para aquela das telecomunicações.
O tenente Chacón comprou a metade do banco Baninvest a prazo, embora ele só tivesse o seu soldo de oficial como renda declarada. Decididamente um novato, ele confessou em entrevistas nos meios de comunicação que ele pretendia reembolsar a sua "dívida"... por meio do tráfico de influência!
Os homens de negócios "emergentes" nem sempre conseguem conviver cordialmente, seja no Country Club ou nas noitadas elegantes de Caracas, com a burguesia tradicional, que é chamada invariavelmente por Hugo Chávez de "oligarquia". No setor da distribuição alimentícia, o programa social Mercal - um circuito de mercados que vendem produtos a preços baixos - desestabilizou a rede de supermercados Polar, o principal grupo privado do país neste setor, em proveito de dois jovens "tubarões" fiéis ao "chavismo", Ricardo Fernandez Barruecos e Sarkis Arslanian Beyloune.
Os fornecedores da Mercal não pagam nem direitos alfandegários nem taxas, e não hesitam a importar em detrimento da produção venezuelana. O irmão primogênito do chefe do Estado, Adrian Chávez, foi encarregado das importações de alimentos, na época em que ele era embaixador em Havana, antes de ser promovido a secretário da presidência da República, e mais tarde a ministro da Educação.
"Acumulação primitiva"
A acusação de nepotismo não parece incomodar o chefe do Estado, cuja família ocupa sólidas posições no seu Estado natal de Barinas. O governador é o seu pai, Hugo de los Reyes Chávez, um antigo professor de curso primário que se tornou proprietário de terras. Já, o secretário de Estado de Barinas é um irmão de Hugo, Argenis Chávez, o homem forte da região.
A irmandade dos Chávez parece ter respondido prontamente aos apelos para atuar a serviço do Estado, uma vez que Aníbal Chávez é o prefeito de Sabaneta de Barinas e que Narciso Chávez resolveu disputar a prefeitura de Bolívar. Segundo o antigo presidente da comissão das contas da Assembléia Nacional, o social-democrata Conrado Perez Briceno, Barinas está no topo da lista das queixas por malversações.
"A acumulação primitiva praticada pela nova burguesia tem a sua origem na corrupção administrativa", acusa Teodoro Petkoff, um diretor do diário de oposição "Tal Cual". Daí a importância para o governo Chávez da advogada Esther Bigott de Loaiza, uma especialista em direito penal que operou uma reconversão fulgurante no direito dos negócios. Ela cuida dos interesses dos ministros e dos altos-funcionários, que não hesitam a processar veículos da imprensa por difamação ao passo que o enriquecimento de todos eles é facilmente perceptível. Além disso, os setores imobiliário e dos carros de luxo conhecem uma fase de expansão.
Ninguém parece estar ansioso por seguir o apelo do chefe do Estado, em discurso pronunciado em 10 de junho, quando ele assumiu o tom de um pastor evangélico televisivo e incitou os seus partidários a se livrarem do "supérfluo", em nome do socialismo. Não é preciso de mais para deixar o padre Palmar desesperado. Este chegou a ponto de escrever que, "infelizmente, este processo está tão infestado pela corrupção que ele vem perdendo o seu caráter de revolução e está manchando os ideais bolivarianos".
Tradução: Jean-Yves de Neufville
Publicado em http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2007/06/28/ult580u2542.jhtm
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