Na entrevista coletiva que marcou o encerramento da Cimeira Empresarial Brasil-União Européia, realizada em Lisboa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu o que poderia ter sido uma resposta cabal às agressões do coronel Hugo Chávez ao Congresso brasileiro. “Para entrar (no Mercosul) tem regras, mas para sair não tem regras. Quem não quer ficar não fica.” Ou, como diziam os antigos, a porta da rua é a serventia da casa. Tivesse parado aí, a resposta seria perfeita. Mas o presidente Lula acha que ele e Chávez têm um relacionamento fraternal, assim como o Brasil e a Venezuela têm um relacionamento “extraordinário” - e, por isso, espera encontrar-se com o caudilho, “para saber o que está acontecendo de verdade”.
O presidente da Comissão Européia, o português Durão Barroso, que participava da entrevista, não deixou escapar a oportunidade e fez uma dura crítica a Chávez, referindo-se ao fechamento da emissora RCTV, episódio que deu origem ao incidente. “Nós defendemos em qualquer parte do mundo a liberdade de expressão”, afirmou. “Sempre que há uma redução do pluralismo temos o direito, na verdade, o dever, de expressar nossa preocupação.”
Durão Barroso não meteu colher torta em panela alheia. A União Européia está negociando um acordo de liberalização de comércio com o Mercosul e, além das dificuldades naturais desse tipo de negociação, agora surgem as questões suscitadas pelo ingresso no bloco sul-americano de um governo que é abertamente criticado na Europa por suas agressões ao regime democrático. Antes da entrevista coletiva, numa reunião a portas fechadas, o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim defenderam o ingresso da Venezuela no Mercosul, explicando aos europeus que a diversidade de opiniões enriquece o processo de integração. Teria sido citado o exemplo da própria União Européia, onde 27 países nem sempre têm a mesma opinião sobre tudo. A explicação, pelo visto, não caiu bem. Afinal, nenhum dos membros da União Européia quer impor aos demais um regime de governo autoritário e muito menos subverter as regras do convívio comunitário, como tenta fazer o coronel Chávez.
O caudilho não almeja a integração dos países da América do Sul e do Caribe para o proveito de todos. Quer submetê-los à sua vontade, moldá-los segundo suas ilusões de uma grandeza que nunca existiu e, desta maneira, nunca existirá. E, para atingir seu objetivo, faz o que for preciso. Se destruiu as instituições de seu país, por que teria escrúpulos para tentar demolir os organismos regionais que podem dificultar a construção do “socialismo do século 21”?
Mas o coronel Hugo Chávez não é o estadista que julga ser, nem a Venezuela, apesar de todo o seu petróleo, é tão poderosa como ele acredita. Assim, suas tentativas de abalar os fundamentos da OEA não passaram de bravatas. Apostou que, com a retirada da Venezuela, a Comunidade Andina se esfacelaria - e ela continua de pé. Voltou-se para o Mercosul, com o objetivo declarado, desde o primeiro momento, de tirar o bloco do jogo da “competição desenfreada” e do “capitalismo predador” e de colocá-lo a serviço de sua cruzada contra Washington. Agora recua porque, depois de nove anos de desatinos administrativos, a indústria venezuelana não resiste à menor abertura comercial.
O governo petista errou na avaliação que fez de Hugo Chávez. Entre ele e Lula não existem pontos de identidade política ou ideológica. São diferentes em tudo. Mas o erro principal foi o presidente Lula, aconselhado pelo chanceler Celso Amorim e pelo assessor Marco Aurélio Garcia, ter decidido que, tendo Chávez como sócio, a ambição e a vocação autoritária do caudilho seriam contidas. Lula acreditou na patranha espalhada por seus assessores de que, fazendo uso de suas habilidades negociadoras, ele seria não apenas o conselheiro de todas as horas, mas também o elemento de moderação das ações de Hugo Chávez.
E assim o presidente brasileiro tomou a iniciativa, como ele próprio reconhece, de criar as condições para o ingresso apressado da Venezuela no Mercosul.
Agora é o próprio Chávez que lhe oferece a oportunidade de corrigir esse erro, sem romper com ele ostensivamente. Basta que dê ordens à sua maioria no Congresso para que não aprove a admissão da Venezuela no Mercosul.
Já é tempo de o presidente Lula saber que não há cooperação possível com Hugo Chávez. Gente assim deve ser isolada.
Editorial Estadão
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