20.7.07

O faz-de-conta do governo federal

A indecisão da Presidência da República em intervir na crise aérea que mata centenas de brasileiros e atormenta milhares de passageiros sobreviventes mostra que todas as instâncias do governo federal simplesmente não sabem como reparar os malefícios provocados pela própria omissão. O presidente Lula não assume publicamente a responsabilidade pela incompetência dos seus ministros e executivos de órgãos estatais e, além disso, pode se refugiar na saída retórica de fortalecer o virtual Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), colocando mais uma sigla no balaio de gatos e de nomes que eterniza o caos nos céus e aeroportos do país.

Em uma rara entrevista, o ministro da Defesa, Waldir Pires, concluiu acacianamente que a vigilância sobre o trabalho da Infraero tem de ser feita "por uma equipe capaz e organizada que não existe e não funciona no Brasil". O presidente da Infraero, José Carlos Pereira, perde preciosas oportunidades de ficar calado ao afirmar que a pista de Congonhas não provocou os acidentes, mesmo sabendo que a perícia mal começou. O presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Carlos Zuanazzi, usa a internet para dizer que "está em permanente contato com a companhia aérea para fiscalizar a assistência que a TAM dará aos familiares das vítimas", o que não passa de uma das muitas obrigações que não cumpre. Não bastasse a incompetência concentrada nessa burocracia, o governo agora pensa em tirar o Conac do papel em um passe de mágica de "assembleísmo", o conhecido expediente de convocar uma reunião para não enfrentar um problema.

Os estrategistas que assessoram o presidente da República imaginam que dando vida ao Conac conseguirão se livrar dos atuais ministro da Defesa e presidente da Infraero sem reconhecer os erros do governo federal. Seria cômico se não fosse trágico, ainda mais depois do delírio do Palácio do Planalto em dar status de crise institucional ao banal episódio das vaias no Maracanã.

A situação fica ainda mais incrível se lembrarmos de depoimentos de antigos auxiliares do presidente reconhecendo a dificuldade dele em tomar decisões desagradáveis, como a de demitir assessores. Se assim for, o presidente da República se esqueceu dos modos do sertão pernambucano e dos metalúrgicos do ABC, talvez substituídos pelas etiquetas protocolares da corte brasiliense. Ou Lula toma a decisão imediata e tardia de demitir todo o quadro federal que desorganiza o transporte aéreo ou cria uma crise dentro da crise.

Esses flagrantes de fuga da responsabilidade talvez nasçam da esperança de que a perícia possa responsabilizar o falecido piloto do vôo 3054, dando ao governo o frágil argumento de que acidentes acontecem, como se o ministro da Defesa tivesse feito alguma coisa e como se a Infraero agisse com competência no caso da pista de Congonhas.

No vácuo da confusão federal, o governo paulista acelera os trâmites legais para a licitação da linha ferroviária que ligará o centro de São Paulo ao aeroporto de Cumbica, obra a ser construída no regime de Parceria Público-Privada. A intenção é assegurar o transporte até o aeroporto internacional de Guarulhos para desafogar Congonhas, que ficaria apenas com vôos para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, livrando São Paulo do risco da operação do aeroporto local acima dos limites.

O Conselho Nacional de Aviação Civil de nada valerá ao país se vier como mais um figurante do deprimente faz-de-conta federal no qual o governo finge que governa e que cuida da segurança aérea dos brasileiros. É necessária a intervenção direta do presidente, pois já passou da hora de começar o segundo mandato.
Editorial JB

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