5.7.07

O ultimato do coronel Chávez

O coronel Hugo Chávez é um tipo extrovertido, dado a rompantes. Mas engana-se quem pensa que ele é dominado pelo temperamento. Ele estuda cuidadosamente a situação, avalia as possíveis reações de aliados e adversários - e só então age. O ultimato que deu aos Congressos do Brasil e do Paraguai, na terça-feira, não foi fruto de impulso de momento. Ao anunciar que, se os dois Parlamentos não aprovarem até setembro o protocolo de ingresso da Venezuela no Mercosul - Argentina e Uruguai já o fizeram -, ele se retira do bloco, Hugo Chávez completou uma manobra iniciada cerca de 15 dias antes.

Os insultos que havia dirigido ao Senado brasileiro - o “papagaio” dos Estados Unidos -, em resposta a uma moção que pedia a reconsideração do cancelamento da licença de funcionamento da RCTV, provocaram a enérgica reação dos parlamentares e empresários brasileiros. A truculência do caudilho como que lhes abriu os olhos para as previsíveis conseqüências do ingresso definitivo da Venezuela bolivariana no Mercosul. O “socialismo”, o anticapitalismo e o antiamericanismo de Chávez seriam um peso insuportável para o Brasil e o Mercosul, que precisam disputar mercados num mundo capitalista.

Chávez percebeu a mudança. Afirmou, então, que desejava entrar num “novo Mercosul” e que, se os outros sócios não tivessem vontade de mudar, ele não estava interessado no “velho Mercosul”. No sábado passado, ao desembarcar em Teerã, reiterou as críticas ao “velho Mercosul”, que classificou de “mecanismo marcado pelo capitalismo e pela competição feroz”. E afirmou que, se a “direita brasileira” não queria o ingresso da Venezuela no Mercosul, não haveria problema - ele poderia até retirar o pedido de ingresso.

Na véspera, na cúpula do Mercosul em Assunção, o chanceler Celso Amorim havia sugerido que o presidente da Venezuela fizesse um “gesto positivo” - “ninguém quer a autoflagelação da Venezuela” -, em relação ao Senado brasileiro, para facilitar a aprovação do acordo de adesão. Chávez usou essas declarações para elevar o tom do confronto. “Se o Brasil insistir em que a Venezuela tem de se desculpar, não entraremos no Mercosul.” E declarou-se credor de desculpas do Senado brasileiro.

Houve época em que o coronel respeitava o Brasil e seus governantes. Era visível, por exemplo, o respeito reverencial que tinha pelo presidente Fernando Henrique, que mais de uma vez teve de colocar Chávez na linha. Mas com o presidente Lula o relacionamento mudou. Julgando que tinha encontrado um aliado, com identidade de propósitos e idéias, Lula cedeu a praticamente todas as exigências de Chávez - e o que ganhou foi um tratamento que revela familiaridade, mas não necessariamente respeito.

O caudilho venezuelano acha que pode fazer o que quiser, que sempre será atendido. Ele sabia à exaustão quais eram os defeitos e as qualidades do Mercosul, quando seduziu o presidente Néstor Kirchner para que apadrinhasse o seu pedido de ingresso no bloco, feito às pressas. Ele também sabia que, o pedido sendo aceito, a Venezuela teria um prazo para adaptar sua estrutura legal e tarifária às condições da união aduaneira. Este mês, aliás, deveria apresentar sua proposta de abertura da economia venezuelana aos sócios do Mercosul. Nada justifica que, agora, venha falar em “paradigmas do capitalismo selvagem” ou se fazer de vítima - “se nos pedirem que nos suicidemos e abramos nossa economia, não vamos fazê-lo”.

O fato é que Hugo Chávez quis entrar no Mercosul, há exatamente um ano, porque precisava de um palanque onde pudesse, sem encontrar maiores resistências, fazer o seu monótono comício contra Washington, a União Européia e o capitalismo. E foi isso o que fez, nas primeiras reuniões de que participou. Mas agora já não está tão interessado nessa platéia. Tem a atenção cativa da Bolívia, da Nicarágua e de Cuba, na Alba. Tornou-se um cliente sempre recebido - pelo volume de armas que compra - de Moscou. Encontrou no ditador da Belarus - contumaz violador de direitos humanos e no poder há mais tempo do que Chávez - uma alma gêmea, parceiro ideal para a “aliança estratégica” contra os Estados Unidos. E tornou-se freqüentador habitual dos palácios de Teerã, onde articula com Mahmud Ahmadinejad acordos de cooperação e planos de resistência contra o demônio ianque. Com parceiros assim, é melhor, mesmo, que Chávez não queira associar-se ao Mercosul.
Editorial Estadão

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