Uma incerteza que paira no ar desde que Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições presidenciais de 2002: qual sua política econômica? No começo da era Lula, a insegurança do mercado traduziu-se em forte oscilação no mercado financeiro, com o dólar encostando-se à cotação de R$ 4, risco-país superando 2 mil pontos, instabilidade. A condução de uma dura política nos primeiros anos pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reverteu o quadro e criou a falsa sensação de que o governo petista tinha uma linha de conduta: forte superávit fiscal, juros tão restritivos quanto necessário e câmbio flutuante.
Só aparência
O chamado tripé parecia formar um conjunto coeso diante do qual até o mercado curvou-se, a onda especulativa amainou e o país entrou em uma rota de previsibilidade e estabilidade que animou, progressivamente, a atividade econômica (ajudado pelo cenário externo extremamente positivo, com comércio em elevação e sobra de liquidez). Formou-se, inclusive, a expectativa de que a política evoluiria para reformas estruturais e correções de distorções.
Em momentos de ataques mais intensos contra os juros decididos pelo BC, o próprio Lula teve que assumir a responsabilidade: “A política econômica é minha”. Foi mais uma forma de bater o pé para afastar os críticos de dentro de casa do que assumir, realmente, um papel decisório.
Com a queda de Palocci, enredado com assessores e amigos no escândalo da quebra do sigilo do caseiro da mansão que freqüentava no Lago Sul com a república de Ribeirão Preto, entrou em cena o ministro Guido Mantega. De tapa-buraco, ocupou progressivamente espaço e ampliou influência, foi mantido no segundo mandato.
E o que era incerteza sobre qual é a política econômica do governo transformou-se em um conflito. Mantega crê que o governo pode gastar um pouco mais e que sancionar um pouco mais de inflação permite uma aceleração do desenvolvimento econômico. Meirelles manifesta freqüentemente um entendimento oposto: mais inflação não assegura crescimento maior.
Cabeças em conflito
O ministro e o presidente do BC, Mantega e Meirelles, são as cabeças da condução econômica e controlam em separado dois de seus pilares: o primeiro cuida da gestão fiscal, o outro, da monetária. Coesas, podem fazer o sucesso do país. Em conflito, podem produzir uma crise. Ambos não comungam da mesma visão econômica e nem parecem dispostos a um convívio pacífico. Até porque é impossível neutralidade entre esses pólos. A cada decisão estratégica, as divergências afloram, naturalmente.
A estratégia de gestão do presidente Lula, de deixar os conflitos dos auxiliares avançarem para arbitrar uma decisão, pode ser boa na política, mas não funciona para a economia. Ou o governo escolhe um caminho para atingir seus objetivos ou a insegurança dos agentes econômicos, principalmente de quem pode investir na produção, só aumenta. O país sofre. Menos, é verdade, em momentos de bonança. Mas sofre.
As diferenças de visões entre Mantega e Meirelles já traziam efeitos danosos pela inação. Não existe um projeto de remodelagem econômica, mesmo setorial, recente do governo. Sua proposta mais ampla, até agora, é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que acelera como carro 1.0 na subida. Não há vontade de tocar mudanças profundas, como a reforma tributária ou a previdenciária. A primeira está relegada ao esforço individual de Bernard Appy, secretário de política econômica da Fazenda, iniciativa que recebe de Mantega apoio apenas formal. A segunda foi jogada para um futuro incerto com os debates do fórum nacional criado para tratá-la.
Danos imediatos
O episódio da decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre a meta de inflação de 2009 é exemplo acabado de falta de liderança. Manter a meta de 4,5% enquanto o Banco Central trabalha por 4% já trouxe custo. Diante da incerteza, a taxa de juros cobrada pelo mercado financeiro para financiar a dívida pública subiu 0,5 ponto percentual e eleva a despesa anual de rolagem em torno de R$ 5 bilhões. Vale comparar: praticamente o mesmo liberado em investimentos este ano pelo Tesouro Nacional. As perdas foram imediatas. Será que vai haver ganho?
Lula preferiu conversar em separado com cada ministro e emitiu sua decisão — contrária à redução da meta de 4,5% — pelos jornais. A metodologia de tratar decisão a decisão como batalhas em separado de ministros não permite uma estratégia ampla o suficiente para dar rumo econômico claro ao país. Estamos à mercê dos ventos e divergências de cada momento. É possível conviver com esse quadro. Só que não é bom para os brasileiros.
Raul Pilati para Correio Brasiliense
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