"Renan está na mão do PT e do governo"
Segundo o parlamentar, base governista é que tem de ser cobrada pela opinião pública no caso do presidente do Senado
No primeiro mandato como senador, Jarbas Vasconcelos (PE) se tornou um dos observadores mais críticos do governo e dos escândalos de corrupção. Duas vezes governador de Pernambuco, integrante da ala dissidente do PMDB, ele desafiou cara a cara o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), seu companheiro de partido, a deixar o comando da Casa até o esclarecimento das denúncias contra ele.
Jarbas se diz decepcionado com o Legislativo e afirma que o atual Congresso combina com o governo Lula: 'Em termos de mediocridade, são muito parecidos.' Para Jarbas, as investigações contra Renan se arrastam porque nem PT nem governo querem seu desfecho.
Um dos maiores colecionadores de obras de arte popular do País, Jarbas tem mais de mil peças. Entre elas, vacas de cerâmica: 'Também tenho vacas, mas são de barro', brinca, referindo-se ao fato de Renan dizer que tem patrimônio acima do compatível com a renda do Senado graças à venda de gado. Eis a entrevista:
Como o sr. se sente exercendo seu primeiro mandato como senador, num momento em que a Casa vive uma crise?
Eu me sinto frustrado. Achava que vinha para cá participar de uma legislatura que poderia ser rica de acontecimentos. Mas foi um semestre perdido, jogado fora, pelo ralo. Pensei que Lula fosse, em seu segundo mandato, colocar em prática as mudanças e reformas e aí vem com o PAC, que não passa de um amontoado de iniciativas antigas e umas poucas novas. Estou frustrado com a falta de iniciativa do governo e com o fato de a reforma política, que eu elegi como prioridade, ter ido para o espaço. Estamos às vésperas do recesso e o balanço foi profundamente lamentável. Essa coisa do presidente da Casa e também o que envolveu Joaquim Roriz.
Os dois casos de suspeita de quebra de decoro na Casa envolvem senadores do PMDB. Embora o sr. tenha uma postura independente, se sentiu envergonhado?
Eu tinha, e continuo tendo, uma posição de muito desconforto dentro do PMDB e agora dentro do Senado. Eu penso que pessoas em desconforto com o partido pudessem imaginar um novo partido. Enquanto isso, eu não imagino sair do PMDB e permaneço com toda a minha consciência de desconforto.
O sr. acha que se Renan tivesse deixado o cargo o estrago político seria menor?
Com toda certeza, o Senado não teria chegado ao fundo do poço, como chegou. São coisas surrealistas. De presidente batendo boca com lideranças no plenário, dizendo que têm de sujar as mãos para tirá-lo do cargo... Todos os constrangimentos poderiam ter sido evitados se Renan, ainda quando ninguém estava pedindo a sua renúncia nem sua cassação, tivesse saído do cargo.
O sr. diria que a carreira política de Renan está sepultada?
É muito difícil dizer que uma carreira vai se encerrar por uma cassação ou por uma renúncia antecipada, até porque a nossa legislação político-eleitoral é muito inconsistente, muito frouxa e permite a sobrevivência de políticos. O Conselho de Ética agora encontrou um rumo e não mais está fazendo as trapalhadas nem de longe que os membros anteriores fizeram. Acho que vamos ter uma conclusão, apurar responsabilidades e o julgamento será do plenário. O tempo não é favorável a Renan.
Na quinta-feira, ao deixar de presidir a sessão do Congresso, Renan mostrou que não tem mais condições de comandar a Casa?
Ele pode ter pensado que não teve influência e que a ausência dele foi uma coisa normal. Mas acho que o fato de o Renan ter deixado de presidir na sessão de discussão e aprovação da LDO vai servir de interpretação no Senado de que se ele não pode presidir o Congresso e não pode também presidir o Senado. Isso pode trazer uma série de conseqüências. Se essa coisa se estrangula na reabertura dos trabalhos, em agosto, pode se partir para fatos extremos, radicais, não se deixar votar. Vai só agravar ainda mais a situação.
O sr. acha que o Congresso de hoje combina com o governo de hoje?
Acho. Em termos de mediocridade são muito parecidos. Acho que a ingerência de Lula há uma semana foi uma coisa descabida, desnecessária. Um chefe de Estado se intrometer em assuntos de outro Poder, e em um assunto delicado como esse. Ele quase ajudou a dar sobrevida a Renan. É muito negativo. Eu diria que não houve um desfecho desse caso porque o governo e o PT não querem. O governo e o PT passaram a ter responsabilidade e não se chega a um desfecho a favor ou contra. Eu me sinto numa situação de desconforto quando vejo o Senado, como instituição, acusado de omissão ou de conivência. Hoje a gente tem o PSDB, o DEM e os dissidentes do PMDB, que são poucos, que querem apurar. Então, quem é que não quer apurar? É o PT, porque o PMDB é um satélite do PT. A base governista é que tem de ser cobrada pela opinião pública e pelos formadores de opinião. Renan está nas mãos do
governo e do PT.
Quem é: Jarbas Vasconcelos
Foi eleito deputado estadual em 1970 e federal em 1974 e 1982.
Elegeu-se prefeito do Recife em 1985 e em 1992.
Foi eleito governador de Pernambuco em 1998 e reeleito em 2002.
Estadão
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