Que história é essa de que o senador Renan Calheiros é inocente até que uma sentença diga o contrário?
O presidente Lula escorou-se nesse raciocínio dias atrás, quando discursou numa solenidade no Palácio do Planalto, com Renan Calheiros sentado ao seu lado. "O que me inquieta é muitas vezes não termos o cuidado de evitar que pessoas sejam execradas publicamente antes de ser julgadas", disse ele, deixando escorrer o equívoco de que condenados podem, aí sim, ser alvo da execração pública.
Na estrondosa sessão da semana passada, durante a qual mais de uma dúzia de senadores pediu que Renan desça da cadeira de presidente, Valdir Raupp, estafeta da tropa renazista, disse a mesma coisa. Com uma sintaxe acrobática, ele declarou: "Ninguém que não tem processo transitado em julgado pode ser considerado culpado".
É, claro, mais um embuste. Renan Calheiros não é inocente até que seja prolatada uma sentença em contrário porque Renan Calheiros não está sendo submetido a um processo jurídico. O processo é político. E, em um processo político, as coisas são diferentes.
Tão diferentes que Lula parece ter esquecido que demitiu José Dirceu sem sentença condenatória. Demitiu-o porque Dirceu, como czar do mensalão, estava politicamente condenado. Tão diferentes que Lula demitiu Antonio Palocci sem sentença que o condenasse. Demitiu-o porque Palocci, como algoz de caseiro, estava politicamente morto. Até hoje, nem um nem outro sofreu punição na Justiça.
O processo jurídico é tão diferente do processo político que Renan Calheiros é acusado de pedir favores financeiros a um lobista de empreiteira. E qual é o crime? Nenhum. Pedir favores a lobista não é crime. Para um senador, é apenas antiético. Ferir a ética também não é crime. Para um senador, é falta de decoro parlamentar. Falta de decoro parlamentar, não sendo um crime, não produz nenhuma punição jurídica. Mas, no Parlamento, no processo político, é falta grave, tão grave que dá cassação.
Quando alguém voltar com a catilinária de que não há sentença contra Renan, diga: "O processo é político, estúpido".
André Petry
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