A primeira providência, no plano institucional, que o coronel Hugo Chávez tomou quando assumiu a presidência da Venezuela, em 1998, foi reformar a Constituição. O texto que estava em vigor refletia os valores de um movimento democrático, liberal e representativo, que se instalara no país após a derrubada da última ditadura caudilhesca, no final dos anos 50, e não servia para a implantação da república “bolivariana” e, muito menos, para os projetos do caudilho de permanecer no poder por pelo menos 13 anos. Com a Constituição de 1999, Hugo Chávez pôde começar a moldar a Venezuela na fôrma “bolivariana”, não sem antes desmoralizar as instituições, neutralizar a oposição e reunir em suas mãos uma soma de poderes que faria inveja ao ditador Pérez Jiménez. Já renovou seu mandato duas vezes, mas isso é pouco para suas ambições.
Hugo Chávez, agora, quer implantar o “socialismo do século 21” e governar até o fim da vida. A Constituição de 1999 tem o que ele chama de “resquícios da velha ordem”, nada fala sobre a “economia social” e muito menos cria as condições para a implantação do socialismo. Portanto, é tempo de arquivar a Constituição que “nasceu no meio da tormenta” e fazer uma nova, que contemple os objetivos do caudilho.
O texto já está quase concluído. Foi escrito por um pequeno grupo de pessoas de confiança, que reproduziram as idéias do chefe. Lidera o grupo de trabalho a presidente da Assembléia Nacional, Cilia Flores, secundada pela presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Luisa Estela Morales. Como no Legislativo e no Judiciário manda Chávez, nada mais natural que usar os presidentes desses falsos poderes para redigir o projeto da nova Constituição, agora, e assegurar a sua aprovação na Assembléia, dentro de um mês ou dois.
Pelo que se conhece do projeto, a propriedade privada não será abolida, mas estará sujeita a uma série de condições. Deverá, por exemplo, estar a serviço da promoção da economia social - seja lá o que isso for - e comunal. Poderão ser confiscados bens privados cujo uso “atente contra os direitos de terceiros e os direitos da sociedade” - direitos esses que não são especificados. Ou seja, a propriedade privada será tolerada na medida da conveniência do ditador de plantão.
A economia continuará sendo progressivamente socializada. Antes mesmo da promulgação da nova Constituição, Chávez criará a Comissão Central de Planejamento para coordenar os setores estratégicos da economia. O Banco Central perderá sua autonomia. Além disso, serão criadas, ainda este ano, 200 empresas, “de caráter fundamentalmente socialista”, para suprir a demanda de alimentos, equipamentos médicos, computadores e material de construção dos “setores populares”.
A reforma constitucional, conforme anunciou Chávez, permitirá a reeleição indefinida do presidente da República. Além disso, quer instituir um extravagante sistema de governo, que não passa de um arremedo de parlamentarismo. Pelos seus planos, o presidente da República terá poderes para nomear um vice-presidente-executivo - uma espécie de primeiro-ministro - e vice-presidentes com funções específicas, a saber: “territoriais, setoriais ou por matérias”.
Se o vice-presidente-executivo for removido de suas funções por ter recebido três moções de censura no mesmo período legislativo, o presidente poderá dissolver a Assembléia Nacional. Esse dispositivo mostra a natureza totalitária do regime que Chávez vai implantando: a nomeação de um funcionário pelo caudilho vale mais do que a eleição do corpo parlamentar pela nação.
Chávez também pretende institucionalizar as milícias bolivarianas e a polícia comunitária, como instrumentos da defesa nacional. As Forças Armadas receberão “funções estratégicas” para defender o país contra uma invasão de tropas norte-americanas - uma fantástica ameaça que o caudilho usa para mobilizar parte da população - e as forças irregulares fariam a guerra de guerrilhas contra o invasor.
Na verdade, as milícias bolivarianas são grupos de brutamontes que já foram lançados contra comícios da oposição. Já existem cerca de 100 mil milicianos registrados e Chávez quer chegar ao milhão. A polícia comunitária, por sua vez, nada mais é que uma cópia dos Comitês de Defesa da Revolução que Fidel Castro usa para manter a população na linha. Na Venezuela não será diferente.
Editorial Estadão
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