13.7.06

Simplesmente, aterrador

É até irônico que essa CPI da qual se esperavam poucos resultados venha a apresentar os maiores. Se haviam sido decepcionantes as conseqüências concretas - em termos de fixação de responsabilidades e punição efetiva de culpados - das investigações levadas a efeito nas CPIs dos Correios, dos Bingos, do Mensalão (esta inteiramente malograda) e dos processos por quebra de decoro no âmbito do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, numa CPI instalada às vésperas da campanha eleitoral - como a dos Sanguessugas - limitada a um prazo curto de duração (30 dias, prorrogáveis por mais 30), e, especialmente, depois de uma certa saturação de audiência causada pelas outras CPIs, com aqueles longos e repetitivos interrogatórios transmitidos pela televisão, era de esperar que esta última CPI da atual legislatura logo definhasse até a total irrelevância. Mas não é isso o que está acontecendo. É possível até, pelo que dela está vindo à tona, que esta “Sanguessugas” se torne a expressão maior da que é considerada a pior legislatura brasileira, de todos os tempos.

Graças a um acordo feito com base na delação premiada - colaboração de acusados na transmissão de informações, em troca de redução de penas -, a figura central da chamada “máfia das ambulâncias”, o empresário Luiz Antonio Trevisan Vedoin, sócio da Planam (cujo dono é seu pai, Darci Vedoin), tem passado ao juiz da 2ª Vara Federal de Mato Grosso, Jeferson Schneider, detalhes de um vasto esquema criminoso, envolvendo inúmeras pessoas, entre as quais mais de cinco dezenas de parlamentares federais.

O que disseram o presidente e o vice-presidente dessa comissão de investigação, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) e deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que estavam entre os sete parlamentares que foram a Cuiabá tomar conhecimento daquele depoimento, é um bom resumo de a quantas anda o caso. Disse Biscaia: “Nunca vi um depoimento durar tantos dias. Ele está apresentando documentos essenciais, que comprovam todo o esquema.” E assim se expressou Jungmann: “O depoimento é excepcional e aterrador. Aterrador porque revela um esquema criminoso que envolve centenas de pessoas, 19 Estados e entre 60 e 80 parlamentares.”

Para melhor compreensão do leitor, façamos aqui um resumo do esquema: a Planam propunha às prefeituras a compra de ambulâncias com recursos federais. Ao mesmo tempo, combinava com parlamentares a inclusão, no orçamento, da verba correspondente a essa compra. As prefeituras, então, procuravam os mesmos parlamentares, para a liberação de emendas destinadas à área da Saúde. No Ministério da Saúde a funcionária Maria da Penha Lino aprovava os projetos. Nas prefeituras as licitações eram dispensadas e a Planam era sempre a escolhida para o fornecimento dos veículos. Nessa compra havia superfaturamento e os parlamentares recebiam de 10% a 15% de propina. Ocorre que esse tipo de fraudes - de acordo com apurações da Polícia Federal, na Operação Sanguessuga - também acontecia em outros ministérios, como os da Educação e da Ciência e Tecnologia, abrangendo outros itens, como veículos escolares ou computadores.

E agora vem a parte mais surpreendente: de acordo com o advogado de Luiz Antonio Trevisan Vedoin, Otto Medeiros, as propinas eram pagas por simples depósitos em contas correntes, havendo comprovação de tais depósitos nas contas de, pelo menos, 50 parlamentares. Quer dizer, a sensação de impunidade que esses representantes do povo tinham - ou têm - é tamanha que dispensou complicadas operações de disfarce e despistamento, tais como o de depósitos em contas fantasmas e dinheiro vivo transportado em malas ou escondido na cueca. Realmente, isso é que é transparência!

Considerando-se que não será difícil fazer-se o cruzamento das datas de liberação das emendas com as dos depósitos nas contas correntes dos parlamentares suspeitos - sabendo-se já dos porcentuais desse propinoduto -, resta saber que esforços de imaginação serão usados, dessa vez, para explicar os presentes de Papai Noel caídos nas contas...
Estadão