Combustível para pensar

Reproduzido do The Wall Street Journal

O forte aumento dos preços internacionais do petróleo, a instabilidade política nas regiões produtivas e o impacto ambiental dos combustíveis fósseis se combinaram para gerar um crescente interesse por fontes energéticas alternativas. Neste contexto, a experiência brasileira com o etanol combustível tem uma história de notável sucesso nos últimos 30 anos. E o êxito agora se expande para o biodiesel e o H-Bio. Tenho a expectativa de que nossa experiência despertará interesse durante a cúpula do G 8 em São Petersburgo.

Com o contínuo aumento dos preços do petróleo, o etanol se tornou ainda mais importante para nosso país. Hoje agregamos pelo menos 20% de etanol à gasolina vendida no Brasil. Além disso, combustível E100 (etanol puro) é vendido em todos os mais de 30 mil postos do país. A produção anual chega a 4 bilhões de galões (15 bilhões de litros), dos quais cerca de 690 milhões de galões são exportados. O etanol responde por cerca de 40% do combustível usado por veículos de psssageiros. A introdução dos carros "flex", em 2003, foi um extraordinário sucesso. Hoje, perto de 80% de todos os carros novos vendidos no Brasil podem ser abastecidos com qualquer mistura de etanol e gasolina, ou com etanol puro.

Além disso, o Brasil acaba de atingir a auto-suficiência em petróleo. O etanol teve aqui um papel decisivo, ao lado da crescente produção petrolífera. Desde 1970, o etanol substituiu cerca de 800 milhões de barris de petróleo, equivalentes a perto de dois anos da atual produção petrolífera nacional.

Naturalmente, sabemos que o etanol não é a única solução para os problemas do petróleo. Mas com certeza ele se tornou uma parte essencial da solução. Um substancial crescimento do seu consumo pode até estender a vida das reservas mundiais de petróleo, adiando a data em que elas se esgotarão.

Em novembro passado, tive o grande prazer de receber o presidente George W. Bush em Brasília. Durante a visita, pudemos falar bastante sobre nossas respectivas experiências com o etanol. O Brasil e os EUA somam cerca de 70% da produção mundial. Fiquei encantado ao saber que o presidente Bush promoveu ativamente a produção e o consumo em seu país.

Tanto o Brasil como os EUA temos muito a ganhar caso possamos trabalhar juntos para promover um mercado global para o etanol, junto com outros países produtores, especialmente na América Latina e na África. A produção de etanol e biodiesel pode ter um impacto extremamente positivo em países pobres. Ela ajuda a enfrentar o déficit energético, influi no comércio interno e na exportação. Também pode gerar um grande número de postos de trabalho, redistribuindo mais harmoniosamente a população entre as áreas urbanas e rurais.

Embora o Brasil com frequência seja visto como um modelo no setor do etanol, ele não pretende obter uma posição global dominante, nem isso seria praticável. Na verdade, é importante que tenhamos muitos países como possíveis produtores de etanol. Além disso, dificilmente alcançaremos nossa meta de criar um mercado global sem que o etanol seja comerciado como qualquer outra commoditie. Neste espírito, o Brasil está propondo a criação de um fórum reunindo os mais importantes países produtores e consumidores de etanol.

Por sua vez, o Brasil e os EUA podem começar a trabalhar desde já por objetivos específicos no que diz respeito a padrões tecnológicos e de regulamentação, cooperação em pesquisa, apoio à produção e consumo de etanol em outros países. Expandir o mercado internacional de etanol benecifiará os produtores tanto brasileiros como americanos.

Naturalmente, o Brasil espera que chegue o dia em que seja eliminada a sobretaxação das importações de etanol pelos EUA (hoje de US$ 0,54 por galão), pois isto fomentaria a meta da globalização do mercado de etanol e facilitaria o comércio bilateral. Entretando, o desígnio de uma parceria do etanol tem mérito em si e deve ser perseguido independente destas considerações. Conforme aumente a produção de etanol, o desafio prioritário não será o de competir por mercados, mas o de expandir rapidamente a produção para conseguir suprir a demanda. Todos têm muito a ganhar.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA