9.7.06

Chávez desafia estabilidade

'Chávez desafia estabilidade com estratégia anti-EUA'
Para cientista político, ele usa o prestígio brasileiro em seu proveito, como um tipo de avalista tolerante, e Lula "facilita esse jogo"


O presidente Hugo Chávez é um fator de risco para a estabilidade da América do Sul, e não apenas pela política anti-Estados Unidos que adota. A ameaça também corre por conta da formação de uma nova configuração de poder que já envolve Argentina, Bolívia e Cuba - mas exclui o Brasil.

De acordo com o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, diretor do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina, Hugo Chávez usa o prestígio brasileiro em proveito próprio, como uma espécie de avalista tolerante e paciente. Em entrevista ao Estado, o especialista disse que o presidente Lula "facilita o jogo chavista".

A diplomacia brasileira é hesitante diante das ações de Hugo Chávez, como sua influência na intervenção havida na Bolívia, no processo de estatização do gás?

Sim. É pouco provável que o novo preço do gás boliviano (US$ 8, contra os atuais US$ 3,93 que o Brasil quer manter) venha a ser o pretendido pela Petrobrás. Vale lembrar que a Bolívia conta com o apoio técnico, financeiro, político - e, se quiser, militar - da Venezuela.

O que o senhor considera a linha ideal a ser seguida pela diplomacia brasileira na região?

Primeiro, que o governo do Brasil defenda interesses brasileiros. Isso não está ocorrendo, por exemplo, em relação à Bolívia. Nesse caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou ao mundo a imagem de conselheiro e aliado do presidente boliviano, Evo Morales, não de chefe de Estado. Outra estratégia é o abandono da pretensão de vir a ser o líder regional. Os países vizinhos aceitam que o Brasil seja influente, mas não querem ser mandados por Brasília.

A política externa seguida pelo presidente da Venezuela coloca sob risco a segurança da região?

O presidente Chávez desafia a estabilidade ao adotar uma estratégia anti-Estados Unidos. Ainda mais, ele está buscando uma nova configuração de poder regional por meio de alianças com a Argentina, Cuba e Bolívia, ao que se acrescenta a aproximação com o Irã e, agora, o apoio declarado pelo vice-presidente José Rangel aos testes de mísseis realizados pela Coréia do Norte.

O governo americano conspira contra o regime venezuelano?

O governo de George W. Bush com certeza derrubaria Hugo Chávez do poder, se pudesse.

Nesse caso é justificada a corrida às armas em que Hugo Chávez se está empenhando?

A posição venezuelana explica-se por tensões com alguns vizinhos e pela necessidade de cultivar o apoio militar interno. Numa avaliação regional, penso que, à exceção do Chile, nenhum país tem Forças Armadas em bom nível operativo e com equipamentos modernos e de tecnologia avançada.

Essa situação provoca alguma reação em Brasília?

O Brasil deveria estar atento ao fato de que o equilíbrio sul-americano se acha em profunda mudança. Todavia, não é isso o que ocorre. A política de defesa nacional está francamente desassistida.

Chávez oferece parcerias a países da América do Sul. O que o Brasil deve fazer para compensar esse tipo de ação?

Nada resiste à possibilidade de desenvolvimento. O Planalto e o Itamaraty deveriam lançar uma ofensiva de cooperação em áreas estratégicas, como geração de energia elétrica, políticas ambientais comuns, integração dos transportes e abertura de corredores bioceânicos, facilitando a ligação entre os portos do Pacífico e do Atlântico.

Lula apóia a aspiração da Venezuela a uma vaga rotativa no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isso prejudica a campanha brasileira por um assento permanente no Conselho?

Sem apoio dos Estados Unidos nada se fará, em nenhuma hipótese. No cenário atual, por que os EUA apoiariam a postulação brasileira?
Estadão