14.7.06

Alguém ousa???

Alguém ousa ser contra o Bolsa-Família?

Gestante que deu à luz a política social do governo Lula, cuja paternidade é reclamada por tucanos e petistas, o Bolsa-Família ainda não mostrou do que o Estado é capaz para erradicar a pobreza e a fome, mas ninguém ousaria afirmar que ele deveria ser cancelado, apesar das críticas que tem recebido. Com o fim do prazo para as prefeituras enviarem ao governo federal seus dados sobre a freqüência escolar dos alunos atendidos pelo programa, que terminou há poucos dias, a dúvida dos seus gestores é se foram enviadas informações corretas ou se houve mentiras para se obter benefícios, uma vez que não há a fiscalização da freqüência.

A assiduidade em 85% das aulas e o bom desempenho escolar são requisitos obrigatórios para as famílias de alunos entre 6 e 15 anos receberem o dinheiro do programa, para que um dia possam ser incluídos no mercado de trabalho. Mas é possível confiar nos dados das prefeituras de rincões remotos, quando ninguém ignora que, no interior do Brasil, muitas famílias preferem ver os seus filhos trabalhando em troca de alguns trocados, para aumentar a renda doméstica, em vez de mandá-los à escola?

Isso é apenas parte dos problemas que o presidente Lula - ou quem lhe suceder - terá de enfrentar para levar esse país - atrasado na educação, com alta concentração de renda e mão-de-obra despreparada - a superar as barreiras econômicas, sociais e culturais que ainda prejudicam o seu maior programa de transferência de renda. Quem herdar o Bolsa-Família, um dos maiores responsáveis pela liderança de Lula nas pesquisas eleitorais (com 44,1% de preferência em primeiro turno e 48,6% em segundo turno, de acordo com a pesquisa CNT/Sensus divulgada esta semana), receberá um bom programa, mas, também, uma cesta de dores de cabeça, que enlouqueceriam qualquer governante.

Por trás dela, há prefeitos corruptos, ensino ruim, trabalho infantil, pobreza e fome, sem esquecer os excluídos que não separam escola e trabalho, seja pela convivência com a fome, seja pela falta de renda suficiente para a comida. Isso já explicaria muito do impulso visceral que muitas famílias e prefeituras sentem para burlar as exigências do programa, negligenciando a fiscalização da freqüência escolar, desviando recursos da educação para outras áreas, omitindo-se em relação ao trabalho infantil, etc.

Juntando-se a isso a corrupção em administrações municipais, licitações manipuladas por prefeitos, recursos federais desviados, cadastros paralelos de beneficiários, privilégios sociais e políticos e muito mais, conclui-se que o Bolsa-Família precisará de uma boa reforma para seguir corrigindo erros e indiferenças do passado. Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal, Controladoria Geral da União e Ministérios Públicos estaduais, que formam sua rede de fiscalização, têm apontado vários desvios na distribuição de benefícios, como inclusão de centenas de famílias que não deveriam estar no programa há muito tempo.

A Igreja, por intermédio de dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana, em Minas Gerais, e membro da Comissão Episcopal para o Mutirão de Superação da Miséria e da Fome, já advertiu que o programa deve ser provisório, pois o mais importante é criar empregos para quem não tem estudo. Com exatidão aritmética, o bispo declarou que, "se as famílias pobres somam 11,2 milhões e os benefícios vão para 13,4 milhões, significa que há famílias que recebem duas bolsas, embora muitas não estejam recebendo as bolsas a que teriam direito".

O mais recente estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que há 3,3 milhões de famílias brasileiras arrostando o pesadelo da fome de forma rotineira, o que significa 14 milhões de brasileiros vitimados pela combinação em grande escala de inépcia, corrupção, burocracia, desinformação, etc. Como o Bolsa-Família atenderá a esse fardo insuportável sem sofrer mudanças que o tornem mais racional e eficiente e sem que seus gestores freiem o favoritismo e o desperdício, se três em cada quatro prefeituras estão envolvidas em desvio de recursos públicos?

É mais um problema para o próximo presidente resolver, na medida em que também se aprende muito à custa de cada erro. Apenas como exemplo, recente reportagem do Estado informava que, no município de Tocantins, no Amazonas, auditores da Controladoria Geral da União apuraram que, até 2005, 13 funcionários da prefeitura local e um secretário municipal recebiam os benefícios do programa.

Mas nenhuma dessas distorções seria obstáculo para o presidente Lula ou para o candidato Geraldo Alckmin, se decidissem ampliar, aperfeiçoar e fiscalizar mais o Bolsa-Família, no qual os dois prometem apostar todas as suas fichas.

O primeiro, talvez por reconhecer a vacuidade do principal compromisso de seu discurso de posse, quando declarou que a sua missão era a de que, no final do mandato, todos os brasileiros estivessem fazendo três refeições ao dia - um compromisso que, relembrado, há de levá-lo a um exercício de reflexão.

O segundo, por ter afirmado, na convenção do partido que homologou sua candidatura, que, se eleito, manterá os atuais programas de proteção social, acrescentando que "pobreza não é só falta de renda, mas também de trabalho, educação, saúde e saneamento".

Portanto, é fato reconhecido (apesar do seu histórico ainda deixar a desejar), que este não é o momento para lamentar o que não deu resultado com o Bolsa-Família. Além disso, é importante ressaltar que serão precisos mais alguns anos para que - num ambiente de estabilidade econômica e grande crescimento - se eliminem a pobreza e a fome que afetam milhões de brasileiros.

Miguel Jorge, jornalista

2 comentários:

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