O perigo do terceiro mandato
Não se trata de brincadeira de mau gosto nem de má vontade, mas, caso o presidente Lula conquiste o segundo mandato, logo se iniciará a campanha pelo terceiro. E talvez mais o quarto e o quinto. Não que parta dele qualquer insinuação ou mesmo cogitação a respeito. Conspirações desse quilate passam longe do gabinete presidencial. Perdão, nem tão longe assim.
Caso não tivesse havido o mensalão, encontrava-se esboçada a estratégia para o PT permanecer no poder por vinte ou trinta anos. O candidato seria José Dirceu, então todo-poderoso chefe da Casa Civil, artífice e partícipe de tudo o que acontecia no governo. Não era de graça que viajava pelo exterior, entendendo-se com primeiros-ministros, presidentes da República e dirigentes partidários de peso. Fazia e desfazia ministros, claro que sempre subordinado às concepções e diretrizes do chefe, sem o qual nenhum plano obteria sucesso.
Foi tudo para as profundezas
Dirceu era o príncipe-herdeiro, sem competidores. Seguia à risca o provérbio árabe de que bebe água limpa quem chega primeiro na fonte. Recebia a vassalagem de quase todos os dirigentes e líderes do PT e dos partidos aliados. E quando não obtinha o apoio prévio dos companheiros, cortava a cabeça deles, como fez com Cristóvam Buarque e outros.
O problema é que a fonte começou a jorrar veneno, em vez de água limpa. Precipitaram-se o próprio Dirceu e mais Delúbios, Gushikens, Valérios, Dudas, Genoínos, Silvinhos e outros. Não mediram esforços para fazer antes o que poderiam deixar para depois, ou seja, tornar o PT uma potência financeira de tal ordem que, ao primeiro sinal de abertura da sucessão para o terceiro mandato petista, toda a corrente fluísse para José Dirceu.
Como o homem põe e Deus dispõe, foi tudo para as profundezas. O chefe da Casa Civil viu-se exonerado e o príncipe-herdeiro, destronado. Sempre pensando longe, e na quase certeza de que o presidente Lula obteria agora o segundo mandato, o que sobrou do alto comando do PT, ou seja, os salvados do incêndio começaram da estaca zero. A prioridade é a reeleição, porém, para mais adiante, permanecem o ideal e a ambição da permanência no poder por tempo amplo, senão ilimitado.
Mas quem poderia ser o candidato, depois do cumprimento dos dispositivos constitucionais que só permitem dois mandatos para cada presidente?
A sede com que José Dirceu lançou-se na fonte eliminou previamente outras alternativas. Ou ele mesmo acabou com elas. A perspectiva do trono esvaziou-se, não chegando a germinar plantinhas tenras como, por exemplo, para seguir a onda internacional, a apresentação de uma mulher. Dilma Rousseff seria a única, depois da tempestade que abateu Martha Suplicy. Só que a atual chefe da Casa Civil tem consciência de suas limitações políticas, apesar da extrema competência administrativa.
É bom tomar cuidado
Outra alternativa posta depois da tragédia sofrida por José Dirceu chamava-se Antônio Palocci, que até teria chances de apresentar-se, não fosse a casa, ou pelo menos o caseiro, haver caído sobre sua cabeça e sua condição de ministro da Fazenda.
Pensaram, pensaram, e não encontraram saída para perpetuar-se. Por isso, emerge a solução natural para o grande objetivo, ainda que inconstitucional para o resto: por que não o terceiro mandato? Mudar a Constituição não representará grande problema, tantas vezes foram mudadas nossas várias Constituições.
Surpresa? Ora, a História demonstra sua inocuidade. Nem se fala de D. Pedro I ou de D. Pedro II. Na República, Getúlio Vargas ficou quinze anos seguidos. Os militares, como se fossem um só general, 21 anos. Fernando Henrique não dobrou seu mandato, contrariando a ética, a moral e a lógica, apenas por simples alteração na lei maior?
É bom tomar cuidado, porque a proposta cresce, mesmo escondida atrás do muro. Tem doses de messianismo, como o de que uma obra tão fantástica quanto a que o PT executa não poderia ficar limitada no tempo nem por detalhes constitucionais variáveis. O Congresso que votou dois mandatos pode votar três, ou mais, se os mesmos métodos utilizados pelo Serjão e companhia forem repetidos.
Ainda mais se uma crise sobrevier, real ou artificial, a exigir remédios drásticos. Guerras são dispensáveis, como a que levou Franklin Roosevelt a ser eleito quatro vezes nos Estados Unidos. Mas ebulições econômicas e sociais, quem sabe? Jamais se cometerá o sacrilégio de supor o PCC colaborando, mas uma situação de caos paulista tornado nacional ajudaria.
Resta saber o que pensa o Guia Genial dos Povos do Brasil. Ora, se for para o bem de todos e a felicidade geral da nação, pode ser. Não estaria inovando coisa alguma, em nossa trajetória política.
CARLOS CHAGAS
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