10.7.06

Ano eleitoral já custa 1% do PIB

Medidas com forte caráter político-eleitoral que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem anunciando desde janeiro custarão cerca de R$ 20 bilhões aos cofres públicos no Orçamento deste ano. O valor equivale a aproximadamente 1% do PIB. É dinheiro suficiente para bancar com sobras, em 2006, os investimentos federais programados para obras de infra-estrutura.

Especialistas ouvidos pelo Valor diferenciam as medidas tipicamente eleitoreiras daquelas que o governo é obrigado a adotar por razões administrativas. Por isso, não consideram essencialmente eleitoreiro o socorro dado pelo governo aos agricultores. De qualquer maneira, lembram que a crise do agronegócio começou no segundo semestre 2004 e apenas agora, às vésperas da eleição, o governo decidiu ajudar o setor. Do pacote de R$ 9 bilhões anunciado em abril, R$ 1,28 bilhão sairá dos cofres do Tesouro Nacional neste ano.

Outra medida cujo teor político-eleitoral é de difícil disfarce diz respeito à concessão de uma nova anistia a contribuintes inadimplentes com o pagamento de tributos federais. Um lobby empresarial já vinha atuando desde o ano passado para fazer o Congresso aprovar a edição de um novo Refis. Quando, no fim de 2005, o governo decidiu corrigir a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas por meio de medida provisória, o lobby conseguiu, no Congresso, incluir uma cláusula na MP instituindo o Refis.

A resposta do presidente Lula foi o veto. Cinco meses depois, o governo baixou nova MP, esta para autorizar um novo parcelamento de débitos fiscais e previdenciários. Trata-se da terceira anistia fiscal, a segunda do governo Lula, em seis anos. O impacto sobre as contas públicas foi estimado em R$ 4,3 bilhões para 2006.

O economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em finanças públicas do país, considera "eleitoreiro" também o reajuste dado pelo governo ao salário mínimo. Foi o maior aumento real (descontada a inflação, medida pelo INPC) em dez anos (ver tabela). Os números mostram que, no primeiro ano de seu mandato, o presidente Lula corrigiu o mínimo, em termos reais, em apenas 1,23%.

No ano seguinte, a correção foi ainda menor. No terceiro ano de mandato, o presidente deu aumento real de 8,23% e, em 2006, caprichou: o ganho real chegou a 13,04%. Como o salário mínimo beneficia, além de milhões de assalariados e de trabalhadores do mercado informal, cerca de 18 milhões de aposentados - os que recebem um salário mínimo por mês -, a decisão pode ter forte impacto político num ano eleitoral. O custo da decisão, para as contas da Previdência, será de R$ 5,780 bilhões em 2006.

O governo, na avaliação de Velloso, pensou politicamente também quando corrigiu os benefícios dos aposentados e pensionistas que recebem acima do piso. Para esses, Lula deu aumento de 5%, um percentual superior à inflação esperada para este ano - segundo estimativa do BC, a inflação pode ficar abaixo de 4%. O impacto sobre o orçamento da Previdência será de R$ 2,9 bilhões.

O caráter eleitoreiro das duas decisões é reforçado pelo fato de que, como atual gestor das contas do INSS, o governo Lula sabe que o déficit da Previdência está saindo do controle. Em 2006, deve atingir, segundo as expectativas mais otimistas, R$ 43,2 bilhões. Apenas nos quatro anos do atual governo cresceu 90,61%.

A medida que mais chamou a atenção nos últimos dias, porém, foram os reajustes salariais generalizados concedidos pelo Palácio do Planalto, a despeito das restrições impostas pela legislação para períodos eleitorais. Mesmo dentro do governo, as decisões causaram mal-estar porque, em três anos e meio de gestão, o governo Lula criou 82 mil vagas no Executivo, promoveu 304 concursos e concedeu 44 reajustes a 27 carreiras.

Esse trabalho, encarado por especialistas como um reaparelhamento do Estado - que, na avaliação dos petistas, terminou o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso sucateado -, atropelou o planejamento que vinha sendo feito. As mesmas categorias que já haviam sido beneficiadas por correções salariais nos últimos três anos correram ao balcão criado pelo governo para reivindicar novos reajustes.

Como o Poder Judiciário pleiteava recursos - estimados em mais de R$ 5 bilhões - para corrigir os salários de seus funcionários e esbarrava na resistência imposta pelo governo, a saída encontrada pelo Palácio do Planalto foi abrir o caixa também para o outro Poder. A conta - cerca de R$ 5,5 bilhões em 2006 - será paga pelos contribuintes.

"O Judiciário aproveitou a fraqueza do governo e o momento eleitoral", comentou Raul Velloso. "A maioria dos gastos anunciados tem um caráter permanente e está sendo autorizada no momento em que a inflação é a mais baixa da história. O ônus para as contas públicas no futuro será muito maior", advertiu.
Valor