3.7.06

Brechas para desvio

CONGRESSO CRIA BRECHA PARA DESVIO DE VERBAS

Comissão mista do Congresso afrouxa regras para emendas de parlamentares a entidades privadas sem fins lucrativos. Instituições receberam R$ 11,2 bilhões nos últimos cincos anos

Na semana de criação da CPI dos Sanguessugas, que investiga fraudes na compra de ambulâncias com recursos do Ministério da Saúde — em parte por intermédio de entidades assistenciais —, a Comissão Mista de Orçamento aprovou um dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que abre uma brecha para uma injeção ainda maior de dinheiro público nas entidades privadas sem fins lucrativos. As regras para o repasse de verbas tinham ficado mais rígidas, uma vez que essas instituições receberam um total de R$ 11,2 bilhões em cinco anos — o equivalente a todos os investimentos do Orçamento de um ano. O dinheiro, por exemplo, não podia mais ser aplicado em construção de sedes e hospitais. Mas uma alínea do artigo 36 liberou a transferência de recursos para “obras em andamento”, desde que o início tenha ocorrido com recursos da União.

Técnicos da Consultoria de Orçamento da Câmara afirmam que esse dispositivo, apesar das ressalvas, será utilizado para a retomada de obras em entidades assistenciais. Eles argumentam que não há como fiscalizar, em cada recanto do país, se a parte já executada da obra foi realmente financiada com recursos federais. Até porque a obra pode estar paralisada há mais de um ano. Há cerca de oito anos ficou proibida a liberação de dinheiro para construção. Nos últimos dois anos, vetou-se a destinação de recursos para ampliação do projeto original. Isso porque algumas entidades faziam um pequeno prédio e, em seguida, “ampliavam” o projeto com dinheiro do Orçamento da União.

Mas a regulamentação dessa transferência de recursos ainda é falha. Primeiro, porque não impõe limites para a aquisição e instalação de equipamentos e compra de material permanente. A Fundação Cristiano Varella, de Muriaé (MG), recebeu R$ 5,2 milhões de emendas parlamentares para “aquisição de equipamentos e materiais permanentes”. Uma das emendas, no valor de R$ 2,5 milhões, foi apresentada por Lael Varella (PFL-MG), o dono do negócio.

Transparência
Outra falha é a falta de transparência na destinação de verbas para entidades privadas. No Orçamento do próximo ano, serão mantidas as descrições genéricas para as emendas individuais e coletivas. Com essa estratégia, não há instrumentos para fiscalizar a aplicação de recursos públicos. Uma pesquisa no Siafi (sistema que registra os gastos do governo) mostra, por exemplo, que o Movimento Alpha de Ação Comunitária, de Santos (SP), recebeu R$ 1,88 milhão para comprar ambulâncias em 2004. O dinheiro foi garantido por uma emenda (número 15810001) do deputado Jefferson Campos (PMDB-SP).

Na página da Câmara, qualquer um pode acessar o título dessa emenda: “Apoio à estruturação de unidades de atenção especializada em saúde no Estado de São Paulo”. Mas não há nenhuma referência à entidade que será beneficiada. E só parlamentares têm senhas para acessar o Siafi. Um assessor de Campos, Roberto Freitas, explicou por que as ambulâncias foram distribuídas por intermédio da instituição: “A entidade faz gerenciamento de recursos. É uma instituição de prestígio. Distribuiu as ambulâncias na forma de comodato”. E acrescentou que a empresa fornecedora dos veículos não foi a Planam.

O deputado Wanderval Santos (PL-SP) destinou R$ 1,33 milhão para a Fundação Maria Fernandes dos Santos no ano passado. A sua emenda tinha título semelhante ao usado por Campos. João Mendes de Jesus (PSL-RJ) foi um pouco mais transparente ao titular sua emenda de 2004: “Aquisição de unidades móveis de saúde no Estado do Rio de Janeiro”. Mas não especificou que o dinheiro seria para o Centro Social Angelina Barreto. No mesmo ano, com uma emenda de enunciado genérico, Júnior Betão (PL-AC) mandou R$ 1,6 milhão para o Centro Acreano de Inclusão Social.

Parlamentares citados na lista preliminar da Justiça Federal feita com dados da Operação Sanguessuga destinaram pelo menos R$ 35 milhões a entidades assistenciais nos últimos cinco anos para a compra de ambulâncias, equipamentos e manutenção de hospitais. Oito desses parlamentares teriam recebido dinheiro da quadrilha das ambulâncias, segundo documentos da Polícia Federal, ou tiveram servidores presos pela Operação Sanguessuga. No ano passado, algumas emendas geraram pré-convênios, no valor total de R$ 10 milhões, que ainda não foram pagos.

O presidente da Comissão de Orçamento, deputado Gilmar Machado (PT-MG), vê avanços no projeto de LDO que vai ser aprovado pelo plenário do Congresso esta semana. A lei determina que seja identificado o beneficiário e o valor transferido em cada convênio. Também exige que a entidade apresente declaração de funcionamento regular nos últimos três anos, emitida por três autoridades locais, além da inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Mas não estão previstas medidas que tornem mais transparente a distribuição dos recursos. A reportagem telefonou para o gabinete do relator da LDO, senador Romero Jucá (PMDB-RR), na quinta-feira, e solicitou uma entrevista, mas não houve resposta.
Correio Brasiliense