Polícia investiga se parte dos R$ 1,7 milhão para compra do dossiê veio das bancas de jogo de Antônio Kalil, que atua no Rio
A Polícia Federal investiga no Rio de Janeiro pessoas ligadas a Antônio Petrus Kalil para tentar desvendar a origem do dinheiro que seria usado para a compra do dossiê contra integrantes do PSDB. Conhecido como Turcão, Kalil é apontado pela polícia como um dos mais atuantes empresários do jogo do bicho naquela cidade. Passados 32 dias da apreensão do dinheiro em poder dos petistas Valdebran Padilha e Gedimar Passos num hotel em São Paulo, essa é a principal linha de investigação da PF no que se refere aos R$ 1,1 milhão encontrados com a dupla, além dos US$ 248,8 mil(totalizando R$ 1,7 milhão).
Os investigadores do caso encontraram indícios de que parte dos recursos arrecadados pelo grupo petista, antes de chegar às mãos de Valdebran e Gedimar, transitou pelas bancas do jogo do bicho atribuídas a Kalil. De acordo com um dos policiais, o suposto bicheiro movimenta grandes quantias na capital carioca. E suas bancas atuariam como uma espécie de câmara de compensação, abastecendo outras bancas do jogo do bicho. Para levantar as provas que sustentem a hipótese, foram realizadas ontem no Rio buscas e apreensões em endereços comerciais de pessoas ligadas a ele.
As suspeitas sobre dinheiro do jogo do bicho foram levantadas pela polícia a partir da forma como a parte dos recursos em reais foi encontrado: cédulas velhas, amassados e de valores pequenos R$ 5 e R$ 10. Duas tiras de papel encontradas chamaram a atenção dos investigadores. Elas trazem anotações de valores e fazem referência a duas localidades no Rio: Caxias e Campo Grande. Ao lado de cada nome, havia ainda um número que a polícia acreditava se referir a bancos (118 e 119, respectivamente). Após realizar uma pesquisa na rede bancária, a PF constatou que não existem tais números. Com isso, ganhou força entre os policiais a tese de que o dinheiro tenha origem no jogo do bicho.
Escândalo
Em Cuiabá, cidade onde estão centralizadas as investigações do escândalo do dossiê, o superintendente regional da Polícia Federal, Daniel Lorenz de Azevedo, admitiu a hipótese de que parte do dinheiro seja proveniente do jogo do bicho. “Estamos conseguindo comprovar uma tese”, afirmou o policial. Lorenz confirmou a realização de diligências para tentar levantar as provas que possam confirmar as suspeitas. Integrantes da CPI dos Sanguessugas que tiveram na capital matogrossense na semana passada para se informar sobre o andamento da apuração também confirmaram essa possibilidade, depois de conversar com o delegado Diógenes Curado, responsável pelo inquérito.
O rastreamento do dinheiro apreendido com Valdebran Padilha e Gedimar Passos obrigou a polícia a levantar milhares de operações financeiras realizadas nos 30 dias que antecederam a prisão dos dois petistas. Não se descarta que uma parcela tenha transitado pela rede bancária, já que informações encontradas no pacote do dinheiro indicam que saques em pelo menos três instituições bancárias: Bradesco, Safra e BankBoston. A PF também investiga operações no Banco do Brasil.
Em relação aos dólares (US$ 248,8 mil), o universo de pesquisa supera um total de 200 mil operações realizadas a partir de um lote de US$ 29 milhões que entraram legalmente no país por intermédio do banco Sofisa, de São Paulo. Os policiais identificaram US$ 110 mil em série, mas, por falta de controle no país das numeração de cédulas distribuídas entre instituições bancárias, casas de câmbio e agências de turismo, ainda não foi possível chegar aos compradores finais.
O dinheiro foi distribuído pela instituição em pelo menos quatro praças: Rio, São Paulo, Curitiba e Santa Catarina. A Polícia Federal está realizando uma operação pente-fino em 30 casas de câmbio e de turismo localizadas nessas cidades.
Garcia nega vinculação com bingos
O coordenador da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marco Aurélio Garcia, disse ontem que o governo “não tem vinculação” com os bingos e só não fechou as casas de jogos de azar porque o Congresso derrubou a proposta. Garcia fez o comentário logo após ser questionado sobre a afirmação do deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), presidente da CPI das Sanguessugas, de que o dinheiro (R$ 1,75 milhão) para pagar o dossiê que petistas usariam contra tucanos tem “origem criminosa”.
“Seria bom que ele (Biscaia) explicitasse a fonte do dinheiro”, afirmou o coordenador da campanha de Lula. “Se eu tivesse o acesso que ele tem às informações, estaria mais seguro em desvendar esse imbróglio.”
Indagado se as declarações de Biscaia causavam constrangimento, pelo fato de o deputado ser do PT, Garcia respondeu que não. “Ele sempre foi um deputado ativo na condição de integrante da CPI”, observou. Nos bastidores, porém, a cúpula da campanha de Lula considerou que Biscaia “jogou para a platéia” por não ter apresentado provas de suas afirmações.
Garcia procurou ainda minimizar a decisão do PDT de permanecer neutro na disputa, não declarando apoio nem a Lula nem ao candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. “A neutralidade frustrou muito mais os nossos adversários do que nós”, disse, alegando estar confiante no apoio de vários líderes do partido nos estados.
Berzoini complica Mercadante
O presidente licenciado do PT, Ricardo Berzoini, negou ontem conhecimento sobre a negociação do dossiê contra tucanos. Em pouco mais de uma hora e meia de depoimento à Polícia Federal, o deputado sustentou também desconhecer a origem dos R$ 1,75 milhão (em notas de dólar e real) que seriam usados na transação. E lançou dúvidas sobre a versão apresentada à polícia por Hamilton Lacerda, ex-assessor do candidato derrotado ao governo de São Paulo Aloizio Mercadante (PT).
Hamilton é apontado pelos investigadores do caso como o “homem da mala”, responsável pela entrega do dinheiro a Gedimar Passos e Valdebran Padilha num hotel em São Paulo, onde a dupla foi presa na madrugada do dia 15 de setembro. Gravações do sistema interno de vídeo no local registraram a chegada do então assessor de Mercadante com mala semelhante à que teria sido usada para carregar os recursos. Interrogado pela PF, Valdebran Padilha reconheceu a valise.
Denunciado pelas imagens, Hamilton foi chamado para depor e alegou que transportava, além de roupas, boletos de arrecadação para a campanha presidencial. Berzoini, porém, afirmou que a arrecadação de recursos não fazia parte das atribuições dele no comitê de Mercadante e menos ainda no presidencial. A declaração de Berzoini pode precipitar o depoimento do senador petista. Na semana passada, os policiais envolvidos na apuração afirmaram que será preciso ouvi-lo também, mas ainda não havia uma definição de cronograma para a audiência.
Testemunha
À época da negociação do dossiê entre petistas e o sócio da Planam Luiz Antônio Vedoin, Ricardo Berzoini ocupava a presidência nacional do PT e a coordenação da campanha à reeleição do presidente Lula— funções das quais foi afastado posteriormente. Passado um mês do início da investigação, a PF decidiu convidá-lo, na condição de testemunha, para dar explicações sobre o envolvimento de dois de seus ex-subordinados no comitê presidencial: Jorge Lorenzetti e Osvaldo Bargas.
O petista confirmou a função de Lorenzetti: a de analista de risco. E disse ao delegado Diógenes Curado, que preside o inquérito do caso, ter sido procurado por ele porque o ex-assessor precisava de ajuda para localizar um veículo de comunicação, de abrangência nacional. A finalidade seria trocar informações que ajudassem a subsidiar reportagem contra os tucanos.
O ex-presidente do PT, porém, sustentou que em nenhum momento soube do teor das informações, da origem delas e que o assessore deveria recorrer à assessoria de imprensa do partido para encontrar um órgão de imprensa. Após o escândalo se tornar público, revelou ainda Berzoini à PF, Lorenzetti o teria procurado e se desculpado por ter “extrapolado na confiança”. O presidente afastado do PT, segundo o depoimento, disse que Lorezentti lhe garantiu que não tinha dinheiro no caso.
Correio Braziliense
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