11.10.06

CPI acredita que Berzoini mandou comprar dossiê

O delegado Diógenes Curado, responsável pelo inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar o caso do dossiê tucano, já tem montada uma história com começo, meio e fim sobre o caso. Segundo contou à comitiva de deputados da CPI dos Sanguessugas mandada a Cuiabá na segunda-feira, a operação não era uma tentativa desesperada de virar a eleição paulista na reta final da campanha. Ao contrário, começou antes mesmo de agosto. E teve participação ativa da cúpula da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição. Pela versão atribuída à PF mato-grossense, a trama do dossiê partiu do então diretor de gestão de risco do Banco do Brasil, Expedito Antônio Veloso. Ele teria reunido informações comprometedoras sobre a relação dos sanguessugas com o empreiteiro paulista Abel Pereira. Este é muito próximo do último ministro da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso, o tucano Barjas Negri, hoje prefeito de Piracicaba (SP). E seria o laranja no pagamento de propinas a Negri.

Era a prova que o PT procurava para jogar a máfia dos sanguessugas no colo da gestão anterior. Uma vez confirmada, Expedito a teria passado a Jorge Lorenzetti, amigo pessoal, churrasqueiro preferido do presidente da República e chefe do grupo de análise de risco da campanha. Lorenzetti assumiu a operação do caso. Já portando as informações sobre os elos dos sanguessugas com o PSDB, Expedito Veloso foi três vezes a Cuiabá no mês de agosto. Negociou pessoalmente com Luiz Antônio Vedoin o preço e o conteúdo do dossiê, assim como uma entrevista dele atestando a papelada a algum veículo de amplitude nacional. Lorenzetti o acompanhou em duas dessas viagens.

Animado com o que viu, Lorenzetti teria negociado o preço do dossiê (que baixou de R$ 20 milhões para R$ 2 milhões) e informado ao então presidente do PT, Ricardo Berzoini, que valia a pena comprá-lo. Recebeu deste sinal verde e foi a luta.

Cruzamento

Parlamentares da CPI dizem que, pelo quadro montado pela PF a partir do cruzamento dos vários depoimentos dados até aqui, Lorenzetti teria, autorizado por Berzoini, movimentado a máquina petista de arrecadação a fim se juntar o dinheiro necessário. O encarregado para a tarefa foi Hamilton Lacerda, coordenador da campanha de Aloizio Mercadante (PT) ao governo paulista. Lacerda é personagem ativo desde o início. Participou de reuniões com Lorenzetti e Expedito no início de setembro e, no período de negociação do dossiê, trocou telefonemas com Berzoini e com o presidente do PT paulista e coordenador da campanha de Lula em São Paulo, Paulo Frateschi. “O que eles levantaram não era dinheiro lícito, era dinheiro ilícito, de caixa 2, vindo de várias fontes diferentes”, destacou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos enviados a Cuiabá. A parte final do acordo com Vedoin, isto é, a entrevista e a troca dos documentos pelo dinheiro, movimentou outro membro importante do comitê de Lula pela reeleição, Oswaldo Bargas — amigo de longa data do presidente da República e coordenador de um dos capítulos do programa de governo. Bargas foi incumbido de arranjar a publicação da entrevista em alguma das grandes revistas.

Na segunda semana de setembro, ofereceu-a à revista Época. Como não obteve a confirmação de que as acusações seriam publicadas, passou a negociar com a IstoÉ, que, por fim, garantiu imprimi-las o quanto antes. Na semana seguinte, Bargas foi a Cuiabá junto com Expedito Veloso. A dupla acompanhou pessoalmente a entrevista concedida por Vedoin à revista IstoÉ. Paralelamente, no circuito São Paulo-Rio-Brasília, a engrenagem entregue a Hamilton Lacerda reunia o dinheiro pedido pelo chefe da máfia. É onde a PF encontra uma espécie de zona escura. Os policiais de Cuiabá começaram a desconfiar das andanças de Luiz Antônio Vedoin e de suas conversas suspeitas com personagens não-identificados. Pediram e receberam autorização para grampeá-lo. Descobriram a venda de provas, a data e a hora do pagamento. Abortaram a entrega de parte do dossiê prometido e trataram de prender os encarregados pelo pagamento efetivo, Valdebran Padilha e Gedimar Passos, ambos petistas, em 15 de setembro. Com eles, estavam R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo, sendo R$ 1,1 milhão e US$ 248,8 mil. A PF tem informações de que Hamilton Lacerda encontrou Gedimar nos dias 12 e 13 de setembro.

Pequena parte dos reais (R$ 25 mil) veio embalada em cintas do Bradesco, do Safra e do BankBoston. O delegado Diógenes Curado disse à CPI que a maior parte do dinheiro era formada por notas pequenas, de R$ 5 e R$ 10. Nestas, haviam pequenas cintas não-identificadas, com os números 118 e 119. A princípio, a PF achou tratar-se de bancos. Agora, suspeita serem bancas. Do jogo do bicho, obviamente. “Nós não vimos as cédulas, mas ele (Curado) contou que estavam fedendo, umas a mofo, outros pelo manuseio mesmo. Não há dúvida que era dinheiro ilícito. E que veio de várias fontes diferentes. Agora que fontes são essas, ainda não se sabe. Pode ser jogo do bicho, bingo ou outras coisas piores”, garante Júlio Delgado.

Rastreamento

Quanto aos dólares, o montante equivalente a US$ 109,8 mil estava ordenado pelo número de série. O que possibilitou identificá-los como parte de um lote importado de Miami (EUA) pelo banco paulista Sofisa e revendido a uma série de corretoras de valores, casas de câmbio e pessoas físicas no Brasil. O nome desses clientes, bem como dos clientes desses clientes que adquiriram moeda estrangeira, já está nas mãos do delegado Luiz Flávio Zampronha, encarregado de identificá-los. A parte restante dos dólares, ou seja, US$ 139 mil, era formada por notas soltas, que já estavam dentro do Brasil e dificilmente serão rastreadas.

No que tange aos mais de R$ 1 milhão em espécie, somente uma parte teria sido sacada de bancos brasileiros e não necessariamente às vésperas da prisão dos petistas. Para rastrear essa parte, a PF estuda saques maiores que R$ 10 mil em dinheiro vivo feitos nos últimos dois anos nos bancos Bradesco, Safra e BankBoston. Os dados já foram mandados pelas instituições. Sabe-se que há mais de 200 mil operações dentro dos parâmetros só nas praças do Rio, São Paulo e Brasília, onde as buscas estão concentradas. O desafio é encontrar algo que os ligue a operadores do PT. Já a origem das notas miúdas e fedorentas, que provavelmente já estavam em circulação há tempos, só virá a tona se alguém do PT resolver revelar.

A reportagem telefonou para a assessoria do ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.
Correio Braziliense

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