8.10.06

Mais do Hamilton

Amigo de petistas influentes e do jogo político

Companheiro de Palocci, aliado de Dirceu, parceiro de Mercadante, Lacerda se acha 'extraordinário'

Tratado como o homem da mala por causa da fita de vídeo do Hotel Ibis onde a quadrilha tabajara recebeu o dinheiro, a estatura política de Hamilton Lacerda é bem mais graduada. Foi amigo de militância estudantil de Antonio Palocci, o ex-ministro da Fazenda. Num mandato de vereador, contou com os serviços de Juscelino Dourado - mais tarde chefe de gabinete de Palocci - como assessor parlamentar, numa amizade que se mantém até hoje.

Bom orador, foi cooptado por José Dirceu para comandar uma corrente política sob controle do PT, uma espécie de Articulação estudantil. Só não tornou-se presidente da UNE por acaso. A caminho do congresso onde seu nome seria aclamado em função de um acordo de bastidor, sofreu um desastre de automóvel e perdeu uma vista. Hamilton e Aloizio Mercadante se conhecem desde o final dos anos 80. Pedagogas, suas mulheres desenvolveram trabalhos em comum no passado.

A auto-estima de Hamilton nunca foi pequena, recorda um conhecido. 'Certa vez, durante uma discussão, eu disse que, apesar das nossas diferenças, ele era uma boa pessoa. Hamilton corrigiu: 'Sou extraordinário.''

Filho de um operário aposentado da Volks, Hamilton Lacerda prestou vestibular e tirou diploma de engenharia na Unicamp, uma das melhores universidades do País. Formado, fez um trabalho de pós-graduação sobre coleta de resíduos sólidos. No ABC, integrou-se num grupo de discípulos de Celso Daniel, o prefeito de Santo André que tornou-se uma espécie de tutor de quadros petistas da região - até que, muitos anos e denúncias depois, foi seqüestrado e morto.

Com três mandatos de vereador em São Caetano, em 2000 Hamilton foi o mais votado na história da cidade. Antes de se desfiliar do partido em função do escândalo, era coordenador da Macrorregião do ABC, cargo que é bem mais do que uma honraria, pois dá autoridade para atuar na área que é o berço político do PT e da CUT, uma espécie de ninho permanente para militantes petistas, que ali transitam entre prefeituras, assessorias parlamentares, empregos públicos e ONGs de natureza diversa, num ambiente de confraria e conspiração permanente.

Em São Caetano, a atividade de Hamilton Lacerda sempre deixou diversos rastros eticamente questionáveis. Fraudes são uma acusação freqüente. Além de falsificar uma edição de jornal em 2006, pela qual responde a inquérito por falsidade ideológica, dois anos antes, quando concorria à prefeitura, ele já produzira uma edição fraudada do Diário do Grande ABC para dizer, às vésperas da votação, que as pesquisas tinham virado. 'Era uma vergonha: você andava pelos centros de votação e os militantes do PT estavam animados, certos de que ele seria eleito', relata um vereador.

Em 2004, Horácio Neto, hoje vereador pelo PSOL, adversário de Hamilton na luta interna do PT, registrou Boletim de Ocorrência onde diz que, para tentar expulsá-lo do partido, o homem da mala montou um flagrante forjado de compra de uma gravação telefônica. 'Ele é adepto da teoria de que em política vale tudo. Só não vale perder', diz Horácio. (Procurado pelo Estado, Lacerda recusou seguidos pedidos de entrevista).

Capaz de atravessar com frieza a fronteira que separa o certo do errado, Lacerda integra uma segunda geração de militantes do PT, formados em aparelhos políticos com poder e agressividade. Participou do movimento estudantil quando a luta contra a ditadura já começava a ser substituída pelo dinheiro cartorizado das carteirinhas estudantis, cobradas até de crianças do curso fundamental. Fez campanhas eleitorais com auxílio de um partido que já cultivava ligações perigosas com os cofres municipais.

Foi um dos primeiros a substituir o braço militante por cabos eleitorais profissionais, profissionalizando ativistas de lutas populares para pedir voto em troca de salário. Em 2004, candidato a prefeito, passeava pelas ruas acompanhado por meia dúzia de seguranças de terno preto e automóveis escuros. Em 2006, seu prestígio na cidade fazia dele o candidato natural do PT a deputado estadual. Quando anunciou que iria desistir da candidatura, a incredulidade dos militantes foi imensa. O mau humor só cresceu depois que, por vários gabinete da Câmara Municipal, circularam rumores de que teria recebido uma polpuda recompensa em dinheiro para sair da disputa, liberando o eleitorado para um candidato ligado ao tradicional esquema político da cidade. Numa reunião tensa, aliados e adversários de Hamilton Lacerda expressaram seu desagrado trocando empurrões e pontapés. Aloizio Mercadante chegou a comparecer a uma plenária para pedir aos militantes que o liberassem para participar da coordenação de sua campanha.

Responsável pela área de comunicação, a participação de Hamilton na campanha esteve longe de ser marcante. O próprio Mercadante resolvia o conteúdo dos programas de TV em companhia de Dante Matiussi, o marqueteiro. Hamilton telefonava de vez em quando para se informar sobre o que ocorria. Raras vezes foi chamado para ver o programa antes de ir ao ar.

Nesses dias que correm, os amigos de Hamilton Lacerda se perguntam se não teria sido muito melhor se ele não tivesse ficado em São Caetano para disputar uma cadeira de deputado estadual.
Estadão

Nenhum comentário: