15.10.06

Estelionato à vista!

Enquanto assessores do PT e do PSDB avaliam onde e como cortar, Lula e Alckmin despistam eleitor sobre ajuste fiscal

A JULGAR pelos primeiros programas do horário eleitoral, nenhum ganho substantivo de qualidade no debate entre os candidatos à Presidência se mostra digno de registro. Estaríamos, numa apreciação preliminar, apenas diante da habitual sucessão de marchinhas e sorrisos, de candidatos caminhando em câmara lenta no rumo de um horizonte vago, encontrando ao longo do percurso uma amostra cientificamente ponderada de eleitores segundo diferentes faixas de idade e origens étnicas.
Curiosamente, contudo, uma questão "ideológica" ganha espaço no confronto entre Lula e Alckmin. Num movimento extemporâneo e escamoteador, tudo se passa como se, no próximo mandato presidencial, estivesse em pauta o antigo debate entre privatismo e estatismo.
Várias camadas de inadequação e disparate se superpõem nessa tentativa de polarização doutrinária entre os candidatos. Em quatro anos de governo, Lula não deu nenhum passo sequer no sentido de reverter as privatizações realizadas pelo seu antecessor; tampouco se dispôs a investigar as irregularidades que, não se cansa de dizer, teriam sido cometidas no processo.
A crítica lulista às privatizações não só é refutada na prática administrativa de seu governo como se torna mais deslocada e irrealista do que nunca. Na área de telefonia, por exemplo, o abandono do modelo estatista resultou em patente sucesso, tanto em termos de elevação dos investimentos quanto nos benefícios que acarretou para a grande maioria da população.
Quanto à candidatura Alckmin, pode enfatizar sem desconforto que não mudará o modelo de gestão vigente na Petrobras ou no Banco do Brasil; a refutação indignada de tais acusações lhe serve, no fundo, como cortina de fumaça a esconder sua própria ausência de projetos, ou seu desinteresse político em explicitá-los ao eleitor.
O falso tema da privatização presta aos dois candidatos o serviço de eximi-los de discutir o que realmente está em jogo na política econômica durante os próximos quatro anos. Trata-se do ajuste fiscal, passo imprescindível para a redução continuada dos juros e para a aceleração do crescimento econômico.
Quando o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, trata no Congresso da desvinculação das receitas orçamentárias -o que significa dar ao governo mais flexibilidade para cortar gastos em saúde e educação-, é este o tema em foco. Quando o economista Yoshiaki Nakano enuncia seus planos de superávit fiscal, para pânico e desconcerto dos estrategistas de Alckmin, é também disso que se trata.
Cortar onde, como e em que medida? Quais os setores a serem sacrificados nesse ajuste? De que modo obter repartição mais justa da carga tributária e como recalibrá-la sem comprometer o atendimento às necessidades básicas da população?
Um estelionato eleitoral se prepara de ambos os lados, enquanto a campanha investe na desinformação e no marketing, condimentados agora por uma polarização doutrinária artificial e fora de época. E o eleitor, reduzido a um simulacro sorridente nas imagens da propaganda eleitoral, vê-se tratado como sempre: uma massa de manobra infantilizada, cujas opiniões reais, sobre problemas reais, nenhum candidato tem coragem ou interesse em consultar.
Folha

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