BRASÍLIA - O Estado brasileiro adverte: só faça entre quatro paredes o que puder repetir em público, só diga ao telefone o que puder falar ao megafone, só escreva no e-mail aquilo que todo mundo puder ler.
Reportagem da Folha comprovou o que os ministros Tarso Genro e José Múcio haviam comentado com sarcasmo: juízes de primeira instância e policiais federais se uniram para fuçar a privacidade de quem bem entenderem.
O disparate começou quando foi dado aos delegados da Operação Satiagraha sinal verde para estenderem o grampo a quem porventura tivesse falado com os suspeitos.
Havia autorização, por exemplo, para varrer as ligações de Dilma Rousseff e de Gilberto Carvalho, pois os dois assessores mais próximos de Lula foram contatados pela infantaria de Daniel Dantas. (Se eles deram ou não uma mãozinha para as Farc? Os sombras sabem.)
A senha que as companhias telefônicas tiveram de entregar à PF permitia mais ainda: acesso ao histórico de qualquer pessoa. Ronaldinho, Juliana Paes, Jorge Gerdau, tanto faz. Bastava digitar o nome.
Sem ter de prestar contas a ninguém, a arapongagem pôde deixar ligado o aparelho que coletava os dados mesmo depois de encerrado o prazo estabelecido pela Justiça.
Ninguém se lembrou de resguardar o cidadão comum e inocente -aquele cujos interesses o delegado Protógenes Queiroz diz proteger. Inquirido, um dos juízes responsáveis afirmou que "garantismos" não fazem mais sentido.
Como se portar diante de tanta bisbilhotice? Extirpando as paixões, sublimando os desejos, escondendo direitinho os pecados?
O custo dessa onda justiceira é a paranóia -e, eventualmente, a renúncia à individualidade.
Não deixa de ser curioso que os dois ministros mais influentes no momento sejam justamente Dilma Rousseff e Franklin Martins, que exerceram a dupla identidade nos tempos de guerrilha.
Melchiades Filho - mfilho@folhasp.com.br
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