22.8.08

Roraima em pé de guerra

Edição de 1596 de 2000


Roraima em pé de guerra -
Padre italiano é acusado de ensinar tática de guerrilha a índios de Roraima e ficar com ouro e diamante extraídos nas reservas

Mino Pedrosa e Ricardo Stuckert - (Aldeia Boa Vista RR)

Foto: Ricardo Stuckert

O padre Giorgio é acusado de comandar invasões de fazenda. Segundo o deputado Antônio Feijão, relator da CPI da Funai, o religioso explora os índios

No extremo norte do País, próximo à fronteira com a Guiana, há uma área rica em minérios, ouro e diamante, onde índios macuxis estão em pé de guerra contra os fazendeiros da região. Sob o comando do cacique Jacir e do padre italiano Giorgio Dall Ben, que vive no Brasil desde a década de 60, os índios têm invadido propriedades rurais. Durante anos, padre Giorgio formou dupla com outro cacique macuxi, Terêncio Luiz da Silva, da aldeia Ubaru, que dava as cartas no nordeste de Roraima. Bem afinados, os dois chegaram a ser recebidos juntos pelo papa João Paulo II. Mas há dois anos eles romperam. Enquanto o padre, com o apoio da Igreja Católica e da Fundação Nacional do Índio (Funai), insiste na defesa de uma demarcação contínua das reservas indígenas de Raposa e Serra do Sol, seu ex-aliado prega a criação de ilhas de preservação, proposta enfaticamente apoiada por fazendeiros, garimpeiros e pelo governo de Roraima. A dissolução dessa parceria acabou resultando em denúncias de utilização dos indígenas como massa de manobra numa guerra de interesses envolvendo o desvio de minério brasileiro pela Igreja Católica e o ensino de táticas de guerrilha aos índios. Em entrevista a ISTOÉ, o cacique Terêncio Luiz acusa padre Giorgio de ser o pivô dessa estratégia agressiva da Igreja. “Ele anda armado e usa os índios na exploração de ouro e no garimpo de diamante. Antes isso era feito com máquinas, e hoje o trabalho é todo manual, feito pelos índios”, conta Terêncio. O cacique afirma que o padre troca mantimentos e roupas com os índios por diamantes e ouro. “Enquanto estivemos juntos, sempre vi o padre pegando ouro e diamantes. Não sei o que ele fazia com aquilo, para onde mandava. Só sei que ficava com ele.”

Disfarçado de mulher – Padre Giorgio tornou-se uma figura lendária em Roraima. Transformou a aldeia Maturuca em um verdadeiro bunker, onde só permite o acesso da Funai, de missionários e de representantes de Organizações Não-Governamentais, especialmente as estrangeiras. Protegido pelos índios que o seguem, há anos não é mais visto pelos fazendeiros da região, que o teriam jurado de morte. Há cerca de um ano, em uma de suas últimas aparições, foi reconhecido saindo rapidamente de um posto de gasolina na capital do Estado, Boa Vista, pelo vereador Jordão Mota Bezerra, do município de Uiramutã. No Interior, contam que Giorgio chega a disfarçar-se de mulher quando precisa passar por alguma das cidades da área de conflito. Nas vezes em que se sente ameaçado em território brasileiro, atravessa a fronteira e se esconde na Guiana. O fazendeiro Wilson Alves Bezerra endossa as denúncias do cacique contra padre Giorgio: “Além de ensinar táticas de guerrilha, ele faz com que os índios garimpem ouro e diamante, que, depois, são enviados para a Itália.” Wilson, que tocava as dez maiores fazendas do Estado, das quais três eram de sua propriedade, foi anfitrião de Giorgio durante seis meses, em 1975. Depois, viu seu hóspede, com o apoio da Igreja, de ONGs e até da Funai, comandar os índios nas invasões contra nove das fazendas que administrava. Na última propriedade que lhe restou, Wilson continua extraindo diamantes e conta, para se defender de invasões, com a ajuda de outros índios que não seguem a cartilha do padre. “Se eu perder essa última fazenda e topar com o padre, eu acabo com ele”, ameaça Wilson.

Foto: Ricardo Stuckert

“Se eu perder minha última fazenda e topar com o padre Giorgio, acabo com ele”
Wilson Alves Bezerra, fazendeiro que acusa o padre de ter comandado a invasão de suas terras

ISTOÉ tentou encontrar o misterioso padre Giorgio Dall Ben, mas não conseguiu localizá-lo. No sábado 15, a reportagem da revista foi procurá-lo na aldeia Maturuca, mas foi barrada pelos índios, que exigiram uma autorização da Funai para o desembarque. Antes de ir para a aldeia, os repórteres de ISTOÉ foram à casa que serve de sede da Funai em Boa Vista, mas não encontraram sequer um funcionário para dar a autorização. Dez dias antes, a casa havia sido invadida por índios contrários à posição da Funai e da Igreja Católica na demarcação das terras indígenas. Nessa guerra pela demarcação que divide brancos e índios, o padre Giorgio está no olho do furacão. Com sua defesa de uma ampla e contínua reserva que englobe as principais e cobiçadíssimas jazidas minerais do Estado, conseguiu arregimentar um verdadeiro exército de índios estimado pelos adversários em dois mil soldados. Na esteira das operações militares que expulsaram os garimpeiros da região, essa tropa invadiu fazendas e aumentou na marra o tamanho da área controlada pelos índios.

O projeto original do governo federal previa a demarcação contínua com o argumento de que os índios são nômades. Com essa postura, agrada aos organismos internacionais, às Organizações Não-Governamentais e à Igreja Católica, que lutam pela preservação do hábitat natural dos índios. Em Roraima, porém, a resistência à execução desse projeto é muito grande. Hoje, as reservas indígenas tomam cerca de 43,12% do Estado, a maior parte na região noroeste, fronteira com a Venezuela e divisa com o Estado do Amazonas. Se a demarcação da área a nordeste for contínua, os índios tomarão mais 18% de Roraima.

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