Permissão não está prevista na lei que disciplina utilização de escutas nas investigações e divide opiniões no Judiciário
Segundo a Polícia Federal, a instituição usa senhas nas apurações apenas para obter dados de pessoas que ligaram para investigados
Na Operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiroz e sua equipe receberam, com autorização da Justiça, senhas para acessar o cadastro completo e monitorar o histórico de ligações de qualquer assinante das companhias de telefonia.
Esse tipo de permissão não está previsto na lei (n.º 9.296) que disciplina o uso de escutas telefônicas nas investigações criminais e divide opiniões dentro do Poder Judiciário.
A autorização para as investigações da Satiagraha foi concedida pela 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
Enquanto alguns desembargadores federais condenam essa prática, juízes de primeira instância têm concedido esse instrumento aos policiais por entenderem que a ferramenta agiliza as investigações.
Por meio de um sistema da rede de computadores da rede de telefonia, a PF tem acesso remoto aos dados dos usuários das companhias. Como a lei é de 1996, na época não havia disponível esse tipo de tecnologia. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou de seus ministros mudanças na "lei do grampo" para tornar as regras de interceptação mais rigorosas.
O juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), disse que há decisões contrárias no Tribunal Regional Federal da 3ª região, em São Paulo, sobre o uso de senhas.
Oliveira disse que a lei não dispõe sobre o uso de senhas, mas juízes defendem a ação. "Se for pedir ao juiz para mandar a empresa [de telefonia] informar o cadastro de quem ligou para o investigado, demorará uma semana. É melhor ter acesso rápido para fazer frente ao crime organizado", afirmou. Não existe, segundo o juiz, invasão de privacidade. "A gente tem que acabar com esse excesso de "garantismos" [teorias] em favor de bandidos", disse o juiz.
No âmbito do inquérito da Satiagraha, a operadora Vivo, por sua filial no Rio, enviou ofício em 2007 ao juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, comunicando entendimento do Ministério Público de que a concessão de ""senha genérica" não tem base legal e fere o direito constitucional do sigilo de dados pessoais". Além disso, segundo a operadora, o sistema "dá margem a abusos".
Nas decisões sobre interceptações na Satiagraha, fica claro o uso das senhas nas empresas de telefonia. "Tal [o fornecimento de senhas] destina-se ao acesso às informações de banco de dados das concessionárias de telefonia possibilitando-lhes o seguinte: i) consulta aos cadastros completos de assinantes e usuários, através de pesquisas por nome, CPF ou CNPJ e/ou número de linha e IMEI [dados e voz pela Internet] de eventuais investigados; ii) consulta ao histórico de chamadas, abrangendo essas linhas interceptadas e aquelas que se comunicarem com esses números", informa o despacho do juiz Márcio Rached Millani, substituto de Sanctis.
Essa autorização não inclui escuta telefônica, ou seja, ouvir e gravar propriamente as conversas. Mas permite aos policiais mapear todas as chamadas feitas e recebidas não somente pelos investigados, mas também de qualquer pessoa que ligue para um deles. Na verdade, como as senhas não têm restrição de uso, em tese os policiais poderiam esquadrinhar as ligações de qualquer cidadão.
Outro lado
A PF disse que, em suas investigações, usa senhas para obter apenas dados de pessoas que ligaram para investigados.
O juiz responsável pelo caso está em férias e deve voltar nesta semana. A assessoria da Justiça Federal informou que o juiz substituto Márcio Rached Millani não poderia atender à reportagem na última sexta.
Procurado, o delegado da PF Protógenes Queiroz não se manifestou.
Folha
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