26.8.08

SANGRIA NA SAÚDE

Renato Weil/EM/D.A Press

O dinheiro que deveria melhorar as condições de saúde dos brasileiros, literalmente, escorre pelo ralo. De banheiros. Na segunda reportagem da série, o Estado de Minas mostra que, de acordo com dados oficiais da Controladoria-Geral da União, há irregularidades na aplicação de R$ 74,8 milhões na construção dos módulos sanitários, que vão de fraudes em licitações a pagamentos para obras inacabadas. É o caso, por exemplo, do banheiro em Acopiara, que custou R$ 2.088 e não passa de um esqueleto de tijolos (foto) .
SEGUNDA, 25/08/2008
Desvio de R$ 74,8 milhões em obras de banheiros


Projetos abandonados e compras pela metade lideram ranking de problemas com verbas
Alana Rizzo, Thiago herdy e Paulo Rebêlo
Raimundo Santana/Esp. EM/D.A Press
O lavrador Diolindo da Silva, de Jordânia (Norte de Minas), improvisou sanitário atrás das bananeiras e usa panos como porta

A pompa dada pelo poder público para definir um dos itens mais básicos de saúde, o banheiro, não se mantém na hora de controlar e fiscalizar os milionários repasses para os “módulos sanitários domiciliares”. Na segunda reportagem da série sobre a sangria com o dinheiro da saúde, o Estado de Minas mostra que dos R$ 1,6 bilhão destinados à área, fiscalizados pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo menos R$ 74,8 milhões sumiram em banheiros por todo o Brasil. Foram identificadas obras inacabadas, inutilizadas, problemas nas licitações e despesas com os convênios sem qualquer tipo de comprovação.

A CGU encontrou também banheiros construídos em bares, igrejas, estabelecimentos comerciais e em casas de pessoas de classe média ou que já tinham um banheiro funcionando. O preço de cada módulo varia entre R$ 800 e R$ 2,5 mil.
SEGUNDA, 25/08/2008
Atrás da moita

Daniel Antunes
O município de Jordânia, no Vale do Jequitinhonha, recebeu, só para construção de banheiros domiciliares, R$ 351,5 mil para famílias de baixa renda, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). Mas o desempregado Eudimar dos Santos, de 42 anos, por exemplo, que mora em casa de pau-a-pique na periferia da cidade, usa o quintal como banheiro. “Prometeram construir um sanitário para atender as necessidades da minha família, mas ninguém nunca veio aqui depois da promessa”, desabafa. Ele não tem condições de construí-lo com recursos próprios e atualmente mora sozinho, em situação precária, desde que a mulher o abandonou.

Recursos para construção de banheiros domiciliares não foram usados, segundo a CGU. Em Estrela, na zona rural de Jordânia, famílias carentes afirmam que viveram uma ilusão, quando foi anunciado que receberiam, por meio da verba do governo federal, espaços para sanitários.

O lavrador Diolindo da Silva Gusmão, de 50 anos, mora com seis filhos numa casa simples de dois quartos. Segundo ele, a construção de um banheiro era certa, mas a promessa nunca saiu do papel. Para fazer as necessidades fisiológicas, os filhos precisam ir até o quintal. E como forma de garantir a privacidade da família, Diolindo plantou milho e mandioca na horta. “Assim as pessoas que passarem na rua, não vão nos ver”, disse, revoltado com a situação. Para a filha de 16 anos, o cuidado teve de ser maior. Ele improvisou um ‘banheiro’ entre quatro pés de banana. “Cerquei as bananeiras com pedaços de pano para ninguém vê-la”, afirmou.

As adaptações na casa do lavrador não param por aí. O chuveiro da casa é uma torneira, que também fica no quintal. De tanto esperar, há dois meses o lavrador deu início à construção de um banheiro. Mas como o salário que recebe retirando leite nas fazendas da região é pouco, cerca de R$ 480 por mês, as obras estão paralisadas. Falta dinheiro para comprar cimento para o reboco e o material elétrico. “Preciso tirar da boca dos meus filhos para fazer uma obra que o governo tinha mandado verba”, lamentou Diolindo, revelando que outras famílias do distrito vivem a mesma situação.

SUSPENSAS Muitas famílias também sofrem com a falta de banheiros em casa no distrito de Ribeira do Capim Açu, também na zona rural de Jordânia. Algumas obras chegaram a ser iniciadas, mas os recursos foram suspensos pela prefeitura. O braçal José de Souza da Silva, de 55 anos, diz que precisou fazer seu próprio banheiro. Há cerca de seis anos, funcionários da prefeitura estiveram em sua casa escolhendo o local onde seria realizada a obra com a verba pública, mas nunca mais voltaram. “Chegou até a levantar as paredes, mas as obras foram paralisadas, sem explicações. Tenho de usar o quintal para as necessidades”, disse.
SEGUNDA, 25/08/2008
Dura realidade no interior

Renato Weil/EM/D.A Press
Izeumar Teixeira, de Acopiara (CE), terminou projeto com dinheiro próprio
Fortaleza – A marca está nas paredes. Cada família da Vila Esperança, em Acopiara, no sertão cearense, que deveria receber um banheiro tem indicado, do lado de fora de casa, a sigla BN e um número. Quando a obra é completada, a marca é apagada. Percorrendo as ruas do bairro, a sensação que se tem, então, é a de que nada foi feito. A reportagem encontrou banheiros inacabados e até mesmo os que nem começaram a ser construídos. O dinheiro chegou à prefeitura, que o repassou à construtora. Mas as melhorias não foram feitas. Na cidade, todo mundo tem ou conhece alguém com um banheiro inacabado ou prometido. Foram mais de R$ 750 mil para a construção de banheiros. Só o convênio 1527/2005, analisado pela CGU, prevê despesas de R$ 319.590 para a construção de 153 banheiros na vila. Cada um custaria R$ 2.088.

Na casa de Joana Dark da Silva, o esqueleto do banheiro virou casinha para a neta Maiara Pereira Santos, de 4 anos, brincar. Sem utilidade alguma, o espaço é bom, segundo Maiara, porque fica só para ela. Os potinhos vazios, organizados um ao lado do outro, fazem parte da brincadeira. “O que incomoda mesmo são os buracos. Vieram aqui no ano passado e deixaram essa fossa aberta”, reclama a avó.

O banheiro de Izeumar Teixeira, de 25, funciona. Só que foi ela e o marido que colocaram a pia, a porta e a caixa de descarga. “Tivemos que gastar do nosso dinheiro. Porque eles entregaram só a casinha e a fossa”. A Funasa aprovou projeto e liberou a verba para a construção completa do banheiro, incluindo até mesmo saboneteiras e suporte para o papel higiênico. Na casa dela, a empresa também usou um recurso comum em diversos convênios analisados pela CGU. O material comprado é para construir as quatro paredes do banheiro, mas a empresa aproveita uma das paredes da casa.

AGRESTE A 31 km do Centro de Iati, no Agreste Pernambucano, a 286 km da capital Recife, em pista de barro, encontra-se o povoado de Santa Rosa. Chegar à comunidade, porém, não é uma tarefa fácil. Não somente pela estrada precária, mas sobretudo por causa de uma ponte cuja construção parou na metade: há pelo menos 10 anos.

Na pequena Rua da Palha, a moradora Josileide de Miranda Bastos, de 25, aponta a tampa do bueiro em frente a sua casa e faz questão de abrir. “O mau cheiro é insuportável, tivemos de colocar um saco plástico na saída do cano para conter o fedor”, explica. A tubulação por baixo da terra em Santa Rosa até existe, mas não funciona. As verbas foram liberadas pelo Ministério da Saúde há bastante tempo, mas as obras apenas tiveram início, nunca fim.

Geraldo Cavalcante, de 33, uma espécie de líder comunitário do povoado, apressa-se em garantir que tudo estará pronto ainda este ano. Curiosamente, a família dele foi uma das 35 que ganharam um banheiro de verdade, a partir de recursos de um programa do Ministério da Saúde. O sanitário é novinho em folha e foi construído há apenas três meses, mas não pode ser utilizado, pois a rede de esgoto nunca foi concluída. São apenas 30 banheiros erguidos, com bastante atraso desde a liberação de recursos, sem uso. A rua e buracos cavados na terra são as únicas saídas, como de costume na região.

SEGUNDA, 25/08/2008
Contas que não fecham


Projetos abandonados e compras pela metade lideram ranking de problemas com verbas
Alana Rizzo e Thiago Herdy
Renato Weil/EM/D.A Press
Posto de saúde em Acopiara (CE) foi construído em área do departamento de estradas e embargado há um ano

A esperança de melhorias nas condições de saúde de milhões de brasileiros se desfez nas mãos de prefeitos que receberam recursos federais para obras e compra de equipamentos, iniciaram os projetos, mas não os levaram até o fim. Objetos de convênios inacabados representam a maior fatia dos R$ 426,4 milhões da saúde que desapareceram no submundo da política e da má gestão nos últimos cinco anos, segundo os 1.341 relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) analisados pelo Estado de Minas. Foram R$ 74,8 milhões, quase 20% do total.

Os documentos de fiscalização produzidos pelos auditores são ilustrados com centenas de imagens que dão a dimensão exata do dano ao Estado e citam exemplos de diversas naturezas. São José do Divino, na Região do Rio Doce, em Minas Gerais, recebeu R$ 209 mil para furar seis poços artesianos, mas concluiu apenas dois. Em Abadiânia, em Goiás, os recursos eram para a construção de um aterro sanitário, mas a obra ficou incompleta e o lixão ainda é usado na cidade. Esqueletos de concreto e tubos sem função foi o que encontraram os técnicos da CGU ao visitarem as obras do sistema de esgoto de Alegre, no Espírito Santo. As obras do posto de saúde da rodoviária de Acopiara, no sertão do Ceará, estão paradas há um ano.

O segundo lugar no ranking de irregularidades no uso da verba federal da saúde ficou com as despesas realizadas em desacordo com as determinações de portarias do Ministério da Saúde ou usadas para cobrir buracos da administração municipal. Foram R$ 70,1 milhões gastos em ações com objetivos diferentes do combinado – desde cobertura de folhas de pagamento de servidores de secretarias diversas, aluguel, tarifas bancárias e contas de consumo a despesas inimagináveis, como eletroeletrônicos, acessórios femininos, cosméticos, salgadinhos e enfeites natalinos.

RADIOGRAFIA DA CORRUPÇÃO

Gastos sem comprovação representaram 14,3% do total de recurso usado irregularmente. As prefeituras não conseguiram comprovar aos técnicos da CGU como usaram R$ 60,8 milhões transferidos aos cofres municipais. Problemas de toda ordem relacionados a processos de licitação foram responsáveis por um prejuízo de R$ 52,9 milhões, ou 12,4% do total. São relatados casos como o de Itaberaba, na Bahia, em que a empresa do irmão do prefeito apresentou uma proposta maior que a do concorrente e mesmo assim ganhou o certame. Ou então Érico Cardoso, também na Bahia, onde todas as obras fiscalizadas pela CGU foram licitadas e vencidas por empresas ligadas ao prefeito e executadas por operários da administração municipal. A repetição dos mesmos erros de português em propostas de concorrentes foi um dos elementos que ajudaram os auditores a descobrir que o processo de licitação fora forjado em Acaraú, no Ceará.

Pelo menos R$ 51,7 milhões do Ministério da Saúde foram desperdiçados em obras e equipamentos que não trouxeram melhorias para a população, porque desapareceram, porque não são usados, ou porque foram comprados em volumes maiores que o previsto. Nos relatórios são citados milhares de equipamentos que permanecem nas embalagens originais em unidades de saúde e depósitos, seja por falta de profissional preparado para manuseá-los, ou seja má vontade política. Em Ji-Paraná, em Rondônia, R$ 382,5 mil foram gastos para comprar berço aquecido, incubadora, equipamento de ultra-som e uma unidade móvel de urgência, mas nada é usado pela população.

MALANDRAGEM

Obrigados a pagar e comprovar o pagamento de contrapartida em convênios realizados com o Ministério da Saúde, os prefeitos mais engenhosos não pensam duas vezes quando há indisponibilidade de caixa: usam recursos de outros programas para simular o pagamento da contrapartida. A esperteza foi detectada pelos auditores da CGU em Rio Preto, na Região da Zona da Mata, e Iapu, na Região do Rio Doce, ambos em Minas Gerais, onde os prefeitos usaram verba do Piso de Atenção Básica (PAB) para efetivar a contrapartida do Programa de Assistência Farmacêutica. Valores das malandragens: R$ 3,9 mil e R$ 1,1 mil, respectivamente.
SEGUNDA, 25/08/2008
Lixo e entulho em vez de aterro

Lilian Tahan
Daniel Ferreira/CB/D.A Press
Local onde deveria funcionar centro de tratamento de rejeitos em Abadiânia (GO): moradores se revezam em lixão a céu aberto para recolher alimentos

Abadiânia (GO) – Todos os dias, um caminhão da Prefeitura de Abadiânia, município goiano do Entorno do Distrito Federal, despeja duas caçambas do lixo produzido na cidade de 12,1 mil habitantes numa vala afastada 1,5 quilômetro do Centro. Um carregamento chega às 9h e outro às 16h. As sobras são disputadas por moscas e catadores, que vivem da venda a quilo de restos de plástico, cobre e alumínio. A rotina só é quebrada quando os dejetos atingem muita altura. Aí, um trator vai até o local e empurra a montanha de sujeira para os lados.

A precariedade com o tratamento do lixo persiste, apesar de, em 2004 o município ter conseguido recursos federais para a construção de um aterro sanitário. Por meio do Convênio 296 de 2003, assinado com a Fundação Nacional de Saúde, Abadiânia recebeu R$ 206,7 mil. Com o dinheiro em caixa, a prefeitura do lugar abriu licitação e contratou a empresa AM Engenharia, de Goiânia, para realizar a obra que daria destinação adequada aos detritos da cidade. Quatro anos depois do procedimento, a firma alega ter concluído 81% do projeto e a prefeitura diz que desembolsou mais da metade do dinheiro para o aterro. Mas relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) atesta que a construção ficou inacabada e que há itens previstos no contrato, como o dreno para o chorume – permite o tratamento e escoamento de resíduos líquidos –, não cumpridos.

O parecer é condizente com o que se vê no local: quatro buracos cavados para abrigar o lixo depositado a céu aberto. E só. A conclusão de auditores da CGU sobre o aterro de Abadiânia é reforçada por investigação do Ministério Público. A promotoria de Justiça da cidade move dois processos contra os responsáveis pela conduta na construção do aterro sanitário. Em um deles, o MP ajuizou ação de improbidade administrativa contra a ex-prefeita do município, Francisca de Oliveira Leda Almada. O contrato para a execução do aterro sanitário foi assinado durante a atuação da ex-gestora. Mas não é só ela que responde pelo tema na Justiça. Outro processo, esse movido contra a atual administração, tramita no fórum da cidade. A prefeitura é responsabilizada em uma ação civil pública por danos causados ao meio ambiente. Nesse caso, a promotoria pediu a concessão de medida liminar para obrigar o Poder Executivo local a terminar o aterro sanitário.

MULTA A Justiça atendeu o pedido do MP e determinou em 24 de setembro do ano passado a retomada da construção do aterro sanitário, sob pena de multa diária de R$ 800. A decisão da juíza de direito Rosângela Rodrigues Santos levou em conta, entre outros documentos, um laudo técnico realizado pela Agência de Meio Ambiente de Goiânia em maio de 2007. Segundo o relatório a que a reportagem teve acesso, após a vistoria ficou constatado “o lançamento de resíduos fora das trincheiras, a presença de animais, de catadores, o espalhamento de resíduos leves como papel e plásticos e de lixo sem a devida impermeabilização, além do lançamento do chorume em lagoa de contenção sem as medidas de proteção do solo.”

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