Num clima de volta ao passado, em que as fardas deram lugar a ternos escuros e os quepes a cabeças brancas ou calvas, militares da ativa e da reserva transformaram ontem uma manifestação de repúdio à reabertura da discussão em torno de atos praticados no regime em um ato contra o governo Lula, acusado em discursos e notas públicas de abrigar ex-terroristas de esquerda, de ligação com a narcoguerrilha colombiana e de corrupção generalizada.
Num dos discursos mais aplaudidos pelos mais de 500 presentes ao salão nobre do Clube do Exército, no Centro do Rio, muitos deles ex-ministros militares, o advogado paulista Antônio José Ribas Paiva, presidente da ONG União Nacionalista Democrática (antigo Grupo das Bandeiras) e diretor da União Democrática Ruralista (UDR), defendeu que militares e civis se unam num “núcleo monolítico e duro de poder?, à margem do processo político-partidário. “A classe política usurpou o poder político para a prática de crimes. Quem nesse momento garante a soberania nacional? As Forças Armadas?, afirmou ele, para quem no regime militar havia mais democracia do que agora.
“As autoridades tinham medo de alguma coisa?, justificou Paiva. Perguntado depois se estava pregando um golpe, foi evasivo. “O golpe já deram quando tomaram o estado para a prática de delitos?, disse. Entre os presentes ao ato, estava o coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, réu em processo de tortura, que para escapar do assédio da imprensa se refugiou num banheiro. Aproveitando sua presença, outro palestrante, o general da reserva Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, ex-chefe do centro de Inteligência do Exército, disse que Ustra era uma vítima da histeria da esquerda. Do lado de fora, cerca de 50 manifestantes da UNE (União Nacional dos Estudantes) e do grupo Tortura Nunca Mais protestaram e caracterizaram a tortura como “crime contra a humanidade?.
Além do presidente Lula, os mais criticados eram os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, Paulo de Tarso Vannuchi, que propuseram, em audiência pública, responsabilizar agentes do Estado, inclusive militares, que mataram e praticaram torturas durante o governo militar. A declaração foi vista como uma tentativa de modificar a Lei de Anistia, de 1979 — o que o próprio Tarso já negou — e levou o Clube Militar a organizar o ato de desagravo.
Comunismo
“Essa proposta significa uma volta a uma confrontação ideológica ultrapassada. Esses dois senhores (Genro e Vannuchi) deviam ter mais patriotismo?, disse o ex-ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves (governo Sarney), ao lado de outro ex-chefe da Força, Zenildo Zoroastro de Lucena (Collor). “Tem gente que não se conformou com o andamento histórico do Brasil para fora do comunismo?, completou.
Em nota oficial, o presidente do Clube Militar, general da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo, chamou a proposta de Tarso de “revanchismo. Entre os oficiais da ativa presentes no ato ontem, o de mais alto posto era o comandante Militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira Filho, que assistiu a tudo na primeira fila, onde aplaudiu os discursos efusivamente. Último a falar, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Waldemar Zveiter, defendeu uma passeata em Brasília pela derrubada de Tarso Genro. “Ou o ministro da Justiça desapeia do cavalo ou monta direito. Vamos fazer um comício na frente do Palácio do Planalto?, convocou. “Eles são os golpistas de hoje, querem o terceiro mandato, mas não vão levar?, disse.
Com o discurso interrompido uma dúzia de vezes por aplausos, o advogado Antônio José Ribas Paiva chegou a exibir num telão um organograma do que, segundo ele, seria o “governo real? do Brasil. No topo, o crime organizado. Embaixo, “organizações político-administrativas? e, depois, o poder formal, com Executivo, Legislativo e Judiciário. Referindo-se a uma reportagem da revista colombiana Cambio, segundo a qual a guerrilha colombiana das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) manteve contatos com autoridades e políticos brasileiros — entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o chanceler Celso Amorim e os assessores presidenciais Marco Aurélio Garcia e Gilberto Carvalho —, Paiva disse que todos deveriam ser processados pelo Ministério Público. “Esse governo apóia as Farc, não adianta negar?, afirmou ele. O advogado disse ainda ter evidências de que grupos terroristas de esquerda, como Farc, Sendero Luminoso (Peru), IRA (Exército Republicano Irlandês) e ETA (Pátria basca e liberdade, da Espanha) atuam no país. Segundo ele, Lula fundou o Fórum de São Paulo, organização que reúne vários partidos e também movimentos guerrilheiros. A julgar pelos dois minutos de aplausos, todos concordaram.
Em nota oficial, os presidentes dos clubes militares também tocaram no tema. “Os dois ministros deveriam optar por algo mais atual e que incomoda em maior intensidade: os inúmeros escândalos protagonizados por figuras da cúpula governamental, com a gravíssima suspeita de envolvimento de alguns deles com as Farc?, diz a nota.
Correio Brasiliense
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