O presidente Lula nega que já tenha decidido criar uma nova estatal para administrar a exploração do petróleo do chamado pré-sal, a 7 mil metros de profundidade e a mais de 200 quilômetros da costa. Segundo ele, a questão continua em discussão no governo. É certo, de toda forma, que o setor terá um segundo marco regulatório. O atual, que data de 1997, ficará restrito às reservas que se poderiam chamar de convencionais e para os 11 blocos em águas ultraprofundas já licitados. Nele, a União, por meio da Agência Nacional do Petróleo (ANP), concede a exploração em troca de royalties e participações. O outro modelo previsto é o da partilha de produção, em que o lucro é dividido em partes desiguais entre o Estado e as empresas escolhidas. Lula não se cansa de afirmar que as riquezas do pré-sal servirão para financiar a educação e "acabar definitivamente com a pobreza".
Ou seja, o presidente cujo mandato termina em 2010 já sabe onde gastar os lucros que não sabe de quanto serão, de uma operação de extrema complexidade que ninguém sabe quando começará, nem o que custará, muito menos como será financiada - e se terá o sucesso desejado. Mas o circo do pré-sal já está armado. No dia 2 de setembro, ao que se divulgou, Lula se exibirá ao País com as mãos sujas do óleo do Campo de Jubarte. Pouco importa que se trate de uma extração experimental. O que lhe importa, para fazer de quem queira o seu sucessor, é aparecer e reaparecer como o responsável pela criação de uma riqueza de proporções fenomenais, que, nas suas palavras, "acabará definitivamente com a pobreza" no Brasil. Assombra a desenvoltura com que o presidente se põe a manipular uma questão desse calibre no mais estratégico dos setores - o da energia - em qualquer nação do mundo.
Além disso, e não bastasse a irresponsabilidade de dar como inexorável o advento de uma realidade redentora que durante anos permanecerá confinada à esfera das expectativas, o governo parece absolutamente seguro de que não ficará à míngua de parceiros privados, mesmo com o retrocesso embutido na mudança do marco regulatório. Sem mencionar que Lula poderá, finalmente, decidir pela criação de uma estatal nos moldes da norueguesa Petoro, como controladora dos contratos de exploração do pré-sal e instrumento de gestão da riqueza petrolífera. Na verdade, o Planalto não tem a mais remota idéia de quais serão os efeitos de uma coisa e outra sobre os potenciais investidores estrangeiros e as empresas que têm operado no Brasil, nos últimos anos, em parcerias com a Petrobrás, no bem-sucedido regime de concessões. Esse modelo foi o que tornou possível elevar de 5% para 11% a participação do setor no PIB nacional. A retração é cenário possível - se não provável.
Tanto pior. Se o pré-sal for de fato o que se augura, com os desafios operacionais comensuráveis, o custo de sua exploração excederá a capacidade de o governo comparecer com os recursos próprios requeridos, a menos que ponha todos os ovos no mesmo cesto. A estatal norueguesa Petoro, que seria o modelo para uma eventual Petrosal, começou a operar com recursos substanciais herdados de um fundo de petróleo. Graças a isso, desde sempre teve condições de bancar a sua parte nos empreendimentos com as multinacionais a que se associou. O Planalto poderia emitir títulos lastreados nas riquezas a serem exploradas. Nessa hipótese, porém, os recursos obtidos com a securitização das reservas do pré-sal teriam de ser usados só para financiar a exploração e a produção do petróleo - e o governo, durante longo tempo, não poderia dispor à vontade dos tesouros que espera tirar de profundezas abissalmente maiores do que aquelas em que jaz o petróleo da Noruega.
O dilema simplesmente não existiria se, com eventuais ajustes no modelo em vigor, a Petrobrás assumisse o pré-sal, com a competência conhecida, sob o controle da Agência Nacional do Petróleo. Mas, ao que se informa, Lula não quer aumentar a lucratividade dos acionistas privados da empresa, sob a alegação, entre outras, de serem americanos a maioria deles. Se esse é o problema, nada mais simples, no entanto, do que aumentar a níveis "seguros" - de 40% para 60% - a participação do Estado na estrutura acionária da empresa. Para tanto, basta uma assembléia de acionistas. E o Tesouro continuará a se beneficiar dos ganhos da Petrobrás.
Estadão
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