Dora Kramer
A noite de quarta-feira no Senado foi uma verdadeira festa de arromba: derrubou-se um ministro, extinguiu-se um ministério, deu-se fim a mais de 600 cargos em comissão, o Planalto foi denunciado por crime de pirataria em projeto de lei e promoveu-se o enterro das sessões secretas na Casa.
E tudo isso para quê?
Para prestar ao presidente do Senado, Renan Calheiros, o inestimável serviço de mostrar os dentes ao PT por causa de seus ensaios de independência e para dar ao PMDB a imperdível chance de majorar antecipadamente o preço dos votos em favor da prorrogação da CPMF.
Visto do alto, o panorama pareceu, em princípio, favorável à oposição, tal a quantidade de derrotas impostas ao governo numa só noite. Mas, firmando um pouco o olhar sobre o cenário, é possível perceber que só existiu ali um vencedor: Renan Calheiros, a quem a oposição ataca no varejo, mas acaba por sustentar no atacado, quando avaliza operações de seu interesse.
O governo perdeu, é verdade. Mas foi só temporariamente, porque, como explicou ontem o líder Romero Jucá, o PMDB se rebelou, mas não rompeu. Quer dizer: fumou, mas não tragou.
Fez uma chantagem básica no Senado - enquanto na Câmara a fidelidade era preservada na votação da CMPF -, para rapidamente ser chamada à retomada do "diálogo", sobre as razões do "curto-circuito".
A oposição, entretanto, terá de engolir uma questão mais indigesta. De um lado, ganhou o fim da sessão secreta, numa vitória bem mais ou menos, pois o sigilo desmoralizou-se por si ante os tempos de tecnologia de comunicação que torna impossível a preservação real de qualquer sigilo, como se viu na sessão do último dia 12.
De outro, os oposicionistas tornaram-se sócios atletas da ação com fins lucrativos patrocinada pela bancada do PMDB, quase toda aliada a Calheiros, que conseguiu ao mesmo tempo demonstrar vitalidade, constranger os senadores do PT que vinham defendendo seu afastamento, pôr preço alto na negociação pela aprovação da CPMF, mandar esse recado para o Planalto e desmoralizar o acordo feito pela oposição no dia anterior com o líder de Lula no Senado, Romero Jucá.
E no fim da sessão a oposição ainda assistiu à conclusão de sua obra: Renan Calheiros dando entrevista, dizendo que o fim da sessão secreta deve servir de exemplo para outras instituições. Capitalizou politicamente, passou a dono do tema e a oposição, que havia concordado em suspender a obstrução da pauta de votações, só não se viu sem nada porque ficou com o ônus de ter se deixado usar na manobra.
No "day after", vamos assistir a uma recomposição do campo governista.
Sobre a medida provisória dos cargos, entre os quais a Sealopra de Mangabeira Unger, dá-se um jeito: ou se refaz a medida maquiada para não dar na vista, já que é proibido reapresentar MP rejeitada, ou se abandona temporariamente o assunto. Como não era relevante ou urgente, dá no mesmo.
Sobre os cargos em comissão, chega-se lá por outro caminho, mas não será por isso que os companheiros ficarão sem seus 600, 700 novos postos.
Sobre o projeto de autoria do senador Osmar Dias plagiado e apresentado pelo governo como se fosse idéia sua a facilitação de estágios a estudantes, atribui-se o crédito a quem de direito e tudo ficará resolvido com aquela face lisa de sempre.
Em relação às sessões secretas, nenhum problema, pois os vazamentos do primeiro julgamento de Calheiros por quebra de decoro já se haviam encarregado de revogá-las.
Outros quinhentos bem mais complicados dizem respeito ao fim do voto secreto e à obrigatoriedade de senadores alvos de processo por quebra de decoro se afastarem de postos na estrutura interna, a começar pela presidência da Casa. Isso, enquanto Calheiros estiver dando as cartas com o beneplácito de todos, como ficou demonstrado na noite de arromba, não prospera de fato.
Tanto a rebelião pemedebista quanto a desvantagem governista têm prazo de validade. As próximas votações no Senado demonstrarão isso e, como sempre, quem paga a conta é o decoro e o Tesouro.
Sai de baixo
Análise de um petista de primeiríssimo escalão sobre como deve agir o partido diante da espetada que levou de Renan Calheiros: o melhor é simular indiferença. Não passar recibo, não apontar o presidente do Senado como autor da manobra, fingir que acredita em tudo o que é dito e, de preferência, sair de baixo dizendo que o problema deve ser resolvido entre o governo e o PMDB.
Os senadores que haviam pedido o afastamento de Calheiros, dando margem à reação dele contra interesses do Planalto, ficam presos de um dilema: se recuarem, terão cedido e reconhecido a operação, se recrudescerem, pioram as coisas para o governo.
Na opinião do estrelado petista, o presidente do Senado quis mandar ao presidente da República a mensagem de que, enquanto estiver no cargo, é ele o fiador da governabilidade no Parlamento.
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