O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escolhe latitude nem platéia para falar bobagem sobre assuntos que só conhece "de ouvido". Desta vez foi no Círculo Polar Ártico e para os governantes da Finlândia. Falando sobre a crise financeira global, ele declarou que, sendo "um problema de política econômica dos EUA (...), não aceitaremos que joguem nas nossas costas os prejuízos de um jogo (do qual) não participamos", sem se lembrar que a Bovespa foi a bolsa do mundo que mais "aceitou" os prejuízos do jogo de que participa, como todas as bolsas deste mundo globalizado.
Para Lula, tudo se resume à "ganância de alguns investidores que compraram títulos de risco imaginando que estavam em um cassino e tiveram prejuízo". Acostumado a vencer todos os jogos de que participa apenas com a retórica, principalmente porque a platéia brasileira que o interessa não é capaz de perceber o engodo, Lula deve ter surpreendido seus anfitriões finlandeses ao pretender convencê-los de que a crise não chegará ao Brasil porque ele "não aceita que chegue".
Melhor seria para o Brasil que assunto sério fosse tratado com seriedade e conhecimento de causa pelas autoridades, a começar pela mais importante. Felizmente, há, entre elas, quem aja desse modo. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reconheceu que "ninguém está imune" aos efeitos da turbulência que perturba os mercados financeiros há várias semanas. E, com exceção "deste país", em todo o mundo é forte o temor de que, por causa da agitação dos mercados, a economia americana reduza seu ritmo de atividade, o que realimentaria a crise e afetaria o desempenho da economia mundial - inclusive o Brasil, aceite ou não o presidente Lula.
A crise, de fato, teve origem nos Estados Unidos. Há dois meses, subiu o índice de inadimplência no mercado de créditos hipotecários de alto risco, o que afetou alguns fundos que forneciam recursos que deram origem a esses créditos. Como os fundos eram patrocinados por bancos, estes também passaram a ter problemas de liquidez. O efeito se espalhou para todo o sistema financeiro, que ficou travado. Isso exigiu a ação dos bancos centrais, que injetaram liquidez no mercado, aliviando-o.
O problema, porém, ao contrário do que imagina Lula, não se limitou ao mercado de títulos imobiliários nem aos EUA. A turbulência se espalhou para todos os mercados e sua mais recente manifestação foi registrada no último fim de semana.
Pode haver outros desdobramentos da crise. Na reunião que presidentes de Bancos Centrais de vários países realizam a cada dois meses na cidade suíça de Basiléia - onde está sediado o Banco de Compensações Internacionais (BIS) -, o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, advertiu seus colegas para a probabilidade de a agitação dos mercados financeiros afetar o desempenho do setor produtivo americano. Se isso ocorrer, haverá reflexos em todo o mundo.
É claro que, neste momento, não se pode falar em recessão iminente. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, por exemplo, afirmou que ainda não terminou o "período de ouro" da economia mundial - e isso se deve, como reconheceu, ao desempenho das economias emergentes. Mas, prudentes, os presidentes dos bancos centrais reunidos em Basiléia admitem que a crise financeira pode chegar ao setor produtivo e frear o ritmo de expansão de algumas economias, a começar pela americana. Pessimista, o presidente do BC do México, Guillermo Ortiz, lembrou que, quando os Estados Unidos espirram, o resto do mundo pega um resfriado e a América Latina fica gripada.
Se necessário, os BCs vão atuar de forma coordenada para evitar o prolongamento da crise. "Vamos agir", garantiu Trichet, que atuou como porta-voz da reunião de Basiléia. Para mostrar a capacidade de agir conjuntamente dos BCs e a eficácia dessa ação, ele recordou o movimento coordenado do BCE, do Fed e do Banco do Japão (o BC japonês) para garantir a liquidez do sistema financeiro quando isso foi necessário. A disposição de agir dos bancos centrais acalmou os mercados no dia de ontem.
Ainda bem que fora "deste país" há gente preocupada com a crise - e que sabe do que está falando.
Editorial Estadão
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